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Crítica: “After: Depois da Verdade” é mais problemático que o primeiro filme

Se você era uma leitora assídua do Wattpad durante a sua adolescência, muito provavelmente esbarrou com a história contada por Anna Todd. A série de livros After começou como uma fanfic do ex-membro do One Direction (e agora ídolo POP) Harry Styles. Composto por cinco livros, a saga conta a complexa história de amor de Tessa Young e Hardin Scott. O casal, que vivem vidas e possuem gostos e valores completamente diferentes, acabam se apaixonando após uma aposta feita pelo mocinho/vilão com os amigos para ser a primeira transa de Tessa.



Até aí, se você já leu muitas fics na vida, nada novo sob o sol. Essa mesma história está presente em vários e vários livros do gênero, mas o que difere esse livro dos demais foi o grande sucesso que ele fez com o público e, mais recentemente, a sua chegada no meio audiovisual.


Depois de um teaser que levantou diversas polêmicas envolvendo a história, o primeiro filme da franquia (After, de 2019) foi lançado e, logo depois, a sequência já foi confirmada. Mesmo com tanto alarde na internet, que categoriza a “história de amor” vivida por Tessa e Hardin como um relacionamento abusivo e culpa os livros por criarem uma romantização dessa relação, os filmes seguiram sendo produzidos, lançados e mundialmente assistidos. Foi nessa onda que After: Depois da Verdade chegou no Prime Vídeo com exclusividade no último dia 11. Resolvemos conferir o que a continuação traria de diferente e já adianto que pouca coisa mudou.



A “independência” de Tessa


Conhecendo a saga, esperamos que durante esse segundo filme fossemos presenciar o amadurecimento de Tessa Young (Josephine Langford). A menina certinha tinha acabado de descobrir que um dos momentos recentes mais importantes na vida dela não tinha passado de uma aposta! Entretanto, o filme já começa com um pequeno monólogo do Hardin (Hero Fiennes-Tiffin) tentando se desculpar com o público por esse "pequeno" erro que ele cometeu.


Fala sério! Eu sei que as meninas piram no famoso bad-boy que se apaixona pela mocinha, mas o mínimo de respeito com a personagem que tinha acabado de ter uma descoberta horrorosa cairia bem aqui. Mas ok, já não esperava tanto assim do filme e essa primeira sequência só mostrou que o vinha pela frente seria desastroso.



Seguindo para a pseudo-independência alcançada pela protagonista, Tessa acaba de começar um novo estágio, comprar um carro, mas na primeira oportunidade o roteiro coloca ela de volta ao apartamento que dividia com o ex-namorado e ainda a faz topar fingir que o namoro ainda existe para a mãe do Hardin.


Todo o momento de “liberdade” fica guardado para os minúsculos momentos de flerte que ela tem com seu novo colega de trabalho, Trevor (Dylan Sprouse), ou para as festas que ela começa a frequentar pela empresa após longas e intermináveis 24 horas de trabalho. Tudo bem que um filme não precisa ter nenhuma verossimilhança com a realidade, mas o mínimo de noção cairia bem para o arco criado para a personagem na trama. Tessa se torna, literalmente, uma boneca nesse segundo filme e cada segundo em cena é dedicado para ela entender e perdoar o mocinho (que ainda tem crises de estresse e quebra tudo além de se embriagar, vale lembrar).


O súbito interesse de Hardin em se tornar uma pessoa melhor


As pessoas podem mudar, amadurecer e reconhecer os seus erros. Esse é um fato. Ninguém precisa ser para sempre o que foi há uns anos, meses ou, no caso do filme, dias atrás. Mas a real é que não dá para acreditar na mudança do Hardin, ela não convence nem um pouquinho.


A gente realmente entende que ele desenvolveu um sentimento pela Tessa no meio dessa aposta e que, tudo bem, ele pode até estar apaixonado mesmo por ela. Mas tudo isso fica apagado no meio de um monte de atitudes horrorosas que ele ainda tem com a protagonista e com todos ao redor dele. Mesmo que o filme tente provar a todo custo que ele está tentando mudar (e dá diversos motivos que justifiquem o comportamento dele) fica difícil acreditar que a melhora do personagem seja verdadeira.



Nesse filme nós descobrimos mais sobre o passado de Hardin, tudo que ele enfrentou quando era criança e como tudo isso afeta as suas ações e atitudes agora. O que me deixa extremamente desconfortável em toda essa situação é que, para aprender a lidar com esses sentimentos, a mãe dele achou melhor que ele saísse de Londres e fosse morar com o pai (o quando causador dos problemas dele) nos Estados Unidos. Nenhuma ajuda profissional foi citada e tudo que os personagens vivem repetindo é que ele tem que aprender a “perdoar e seguir em frente”.


Isso claramente não funciona para o personagem. Que coloca toda a sua carga emocional em cima da protagonista e, bem, com certeza essa não é nem de longe a melhor forma de se mostrar como lidar com problemas e traumas. A história segue a receita mostrada em outras fanfics, como a famosa Cinquenta Tons de Cinza, onde Christian Grey também carrega traumas de infância que são usados para justificar as suas ações na atualidade. Mas, assim como no famoso livro, isso não convence e só mostra como a história pode ter outros pontos tão problemáticos quanto o relacionamento dos protagonistas.


O relacionamento dos protagonistas é abusivo. Ponto.


Não tem como fugir dessa afirmação. Toda a história é baseada nessa relação que a todo momento se mostra como algo com certeza não saudável e nem deveria ser desejável.


Para começar, o relacionamento começa com uma mentira nada saudável. A Tessa muda completamente a sua vida para tentar se encaixar no modo de viver do Hardin que, por sua vez, também vive em constante conflito interno e externo. Os dois passam a viver em estado de coexistência e anulam completamente as suas individualidade e personalidades. Não existe forma de retratar uma relação nesses moldes de forma “certa”. Todos os aspectos que envolvem o relacionamento dos protagonistas trazem fortes indícios de que existe sim um relacionamento abusivo acontecendo.



Retratar isso em forma de romance, tentar amenizar as atitudes do Hardin, podar qualquer chance de desenvolvimento da Tessa devido ao relacionamento e fazer tudo isso parecer amor está longe de ser certo. Com todas essas problemáticas é impossível aproveitar qualquer possível acerto que o filme possa ter no âmbito técnico (e te garanto que não são muitos também).


Na minha visão, se você quer assistir o filme, vá em frente. Se quiser ler os livros, sem problema. Mas é necessário que você tenha o mínimo de senso crítico para não acabar sendo levada pela história fofinha do casal “menino problema, menina certinha” que a trama conta. Principalmente quando assuntos tão sérios são levantados, porém não são abordados da melhor maneira.



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Quer saber nossas impressões sobre diversas obras das mulheres na cultura? Cinema, música, literatura, teatro e muito mais. Tudo isso, duas vezes por semana, na categoria “Crítica”.

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