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Vamos polemizar: Ser mãe ou não ser?

Todo ano, no segundo domingo do mês de Maio, celebramos o dia daquelas mulheres que nos ensinaram sobre a vida, as nossas mães. A maternidade é sempre um assunto abordado em livros de romance e, na maioria das vezes, anda de mãos dadas com o casamento. Como naquela frase que sempre encerra nossos contos de fadas “Casaram-se, tiveram filhos e viveram felizes para sempre…”. A gente cresce entendendo que ser mãe, assim como se casar, é algo que é o ideal para uma vida repleta de felicidades. Mas será que é isso que queremos?


Ilustração: Rebekka Dunlap


Brincar de ser mãe

A pressão que sofremos sobre maternidade vem desde cedo nas nossas vidas, muitas vezes ocorre de forma velada. Em reuniões familiares sempre ouvimos muitas perguntas indelicadas, como ouvir de um tio “E os namoradinhos? Daqui a pouco você vai ficar pra titia hein?” ou então “Você já tá ficando velha, precisa arrumar um namorado e ter filhos logo!”. E nossos presentes quando crianças sempre são bonecas para a brincarmos de mãe e filha ou utensílios de casa para aprendermos a cuidarmos dos nossos futuros lares. Mas quando olhamos pro lado, nossos irmãos e primos estão recebendo bolas e carrinhos, é como se para eles ter uma família e cuidar da casa não fosse necessário.


Ilustração: Lumi Mae

Quando ganhei minha primeira boneca, logo de cara imaginei um bebê de verdade em meus braços. Muitas vezes ficava desesperada por deixarem a “Maria Eduarda” jogada pela casa, pensava: “Como podem fazer isso com minha filha? Ela vai se machucar se ficar assim!”. Poderia contar nos dedos de uma só mão quantas vezes ganhei um presente que não fosse boneca, diziam que era a brincadeira que mais combinava comigo já que eu era toda cuidadosa com minhas “filhas” e eu amava ouvir isso.

Passei minha infância inteira idealizando a chegada de um filho e falava aos quatro cantos que meu maior sonho era ser mãe. Mas quando apresentei meu primeiro namorado, aos 14 anos, ouvi dos meus tios:”Essa ai vai arrumar barriga logo, adorava brincar de ser mãe!”. Foi aí, através de uma fala de um tio meu, que percebi que passei a minha infância toda sendo treinada para ser mãe.



“Quando você for mãe você vai entender”

A gente sai da infância e entra na adolescência num piscar de olhos. E é nesse momento que a gente passa a receber essa pressão sobre maternidade de forma mais direta. Nesse momento estamos começando a descobrir nossos corpos e junto com essa nova percepção do feminino, chegam também os medos, receios e lições sobre a maternidade.

Comigo isso ficou bem claro quando comecei a namorar, o medo dos meus familiares de que eu explorasse a minha sexualidade chegou de forma escancarada e foi nesse momento que passei a sentir medo de ser mãe. Ouvia sempre: “Cuidado com os namoricos, se você engravidar sua vida acabou!” ou então “Quer fazer faculdade? Então não pode namorar, se arrumar barriga adeus sonho de estudar numa universidade pública!”. E a partir desse momento, involuntariamente, passei a enxergar a maternidade como algo que “arruinaria” meus maiores sonhos.

Além de sentir medo, percebi que a maternidade talvez fosse a fase de real amadurecimento de uma mulher, como se o ápice da vida feminina fosse ter filhos já que sempre ouvia “Quando você for mãe, você vai entender”, mas e se eu nunca fosse? Nunca entenderia? Nesses momentos vivia um conflito comigo mesma, uma espécie de medo, receios, vontades, desejos… tudo isso sobre o mesmo assunto: maternidade. Percebi que poucas vezes me perguntavam se eu de fato queria ser mãe. Ora isso era sugerido na minha vida ainda quando criança, ora isso era algo que me tiraria sonhos e planos e ora era algo que me tornaria mais mulher e madura. Mas afinal, o que é ser mãe?


Engravidei e agora?

De acordo com uma pesquisa feita pela médica e pesquisadora Carolina Sales Vieira em 2018, 55% das gestações não são planejadas. Isso significa que muitas mulheres são mães no momento que não esperam ou pior, são mães sem querer ser.


Uma gravidez não é algo simples ou um momento onde tudo são flores como muitas vezes é representado pra gente em novelas, séries e filmes. Nosso corpo muda, nosso emocional muda e principalmente nossa percepção de mundo muda. Nesse momento nos tornamos diferente do que sempre fomos e os questionamentos só aumentam. O medo se torna real e agora uma vida depende de você. Em uma conversa com Jullyana Britto e Thaynara Teixeira, ambas mães de uma gravidez não planejada, contaram como tudo isso afetou suas vidas.


“Eu tomava remédio direitinho, fiz sempre de tudo pra não engravidar porque eu não tinha sonho de ser mãe! Mas acabou que fui aquele 2% que todo anticoncepcional tem de risco! Porém eu não tinha sonho de ser mãe, juntou com medo, insegurança, era meu último ano na faculdade, tinha medo de não conseguir acabar [...] E com isso começou a depressão, crise de ansiedade..tudo junto! As pessoas idealizam a maternidade perfeita, e não é! Eu participava de grupos na casa do parto e lá tinham várias pessoas como eu sofrendo, triste, passando por problemas..” Jullyana Britto
“Eu não aceitei de jeito nenhum a gravidez, foi muito complicado. E não consegui nem produzir leite, não amamentei por estresse, precisei até de um psicólogo. Foi muito difícil pra mim. Quando o Bento nasceu eu me sentia culpada por ter todo o sentimento de negação que eu tive durante a gravidez. Eu tinha medo dele morrer, muito mesmo! Eu não dormia a noite e só sabia pedir desculpas por todo sentimento ruim que eu sentia. Fora o meu corpo, que mudou completamente! Eu tive muita estria, não aceitava que tudo estava acontecendo comigo. Inclusive nem tirei muitas fotos da gestação, e as que eu tirei são todas com muito efeito! Porque eu não aceitava meu corpo. Talvez isso também tenha mexido muito comigo. Eu só sentia medo! O amor que falam incondicional eu fui sentir muito depois. Quando fui aceitando mais tudo o que estava acontecendo.” Thaynara Teixeira

Preconceito com a adoção

Durante muito tempo a adoção foi considerada uma opção apenas para resolver questões de infertilidade. E com isso sempre foi um assunto que gerou polêmicas, como as falas de que a atriz Giovanna Ewbank seria estéril já que havia adotado duas crianças, a Titi e o Bless. Muitos se surpreenderam quando no início do ano ela anunciou sua gravidez com o também ator Bruno Gagliasso.

Hoje em dia é grande o número de mulheres que não querem gerar um filho e sim adotar ou ainda que queiram os dois. O que muitas vezes acontece é a falta de compreensão da sociedade diante desse desejo e em muitos momentos esses julgamentos surgem de pessoas muito próximas, a nossa família. Os argumentos para fazer que alguém desista da adoção são inúmeros, dizem que o filho não terá nossos traços e até que a criança virá com o psicológico abalado e que isso vai trazer problemas no futuro.


Ilustração: Ana Matsusaki

O que poucos se atentam é que adoção expressa em um ato, todo o significado que gerar um filho nos ensina: o amor. Acolher na família uma pessoa desamparada pelos pais biológicos e assumi-lo como filho, mostra que os laços do coração podem ser tão e até mais fortes que a ligação sanguínea.


Eu escolhi não ser mãe!

No começo do texto falamos sobre a pressão que sofremos desde cedo sobre a maternidade. Somos praticamente treinadas desde a infância para esse grande momento da vida feminina. Mas e não for isso que queremos?

Diariamente muitas mulheres são julgadas por não terem esse desejo de ser mãe. Julgamentos da família, de amigos e do parceiro(a). “Você seria uma ótima mãe”, “Amor de filho é algo incomparável”, “Não faça isso, dê um filho ao seu parceiro”, “Para mim uma mulher sem filhos é uma mulher incompleta”, “Quem vai cuidar de você quando ficar velha?”, “Você nunca vai saber o que é o instinto maternal!”. Quem opta por não ter filhos certamente já ouviu algo parecido com isso.

Ilustração: Freya Lowy Clark
“Eu tenho esse pensamento de não ter filho desde o ensino médio e antigamente eu era mais ‘julgada’. O engraçado era que sempre perguntavam quem ia cuidar de mim quando ficasse velha e coisas do tipo. Como se ter filho é isso né?” Beatriz Legentil
“Desde a adolescência eu dizia que não queria ser mãe, casar na igreja, festa e todas essas coisas que nos colocam como regra. Nascer, crescer, se formar, casar e ter filhos. Sempre achei que tinha mais que apenas isso. Sempre respeitando a opinião de quem pensava diferente de mim. Porém, sempre ouvi julgamentos sobre esses assuntos. Principalmente ao de não querer ser mãe. [...] ‘Se você não tiver filhos, vai morrer sozinha.’ , ‘Quem vai cuidar de você velhice?’ , ‘Filhos são benção de Deus, nós mulheres nascemos pra isso. (Com certeza essa a que mais me irritava. ‘Nascemos para isso’ )’ , ‘Quando você casar, seu marido vai querer ter um filho. E aí, o que vai dizer a ele?’ , ‘Filho traz felicidade. Se você não tiver filho vai ser infeliz, vai sempre te faltar algo’”. Dandara Rocha
“Toda vez que eu falo que não tenho interesse em ser mãe, aparece alguém falando ‘Isso é agora, espera ficar mais velha’, ‘Espera chegar a hora’, ‘Espera casar’. Se em algum momento eu mudar de ideia, ok, mas hoje minha ideia é essa e ela precisa ser respeitada!” Gabriela Rossi

Ser mãe ou não ser?

A pressão vem desde cedo e acredito que nos acompanha durante toda nossa vida. Afinal, é isso que esperam de nós. Nascer, estudar, casar, ter filhos, envelhecer e ter uma família que cuide de nós. Desde cedo é como se nossos corpos não fossem nossos, nascemos com uma história desenhada, não podemos escolher o que fazer, caso contrário seremos julgadas. A sociedade sempre nos diz o que fazer e o que ser.

Mas a verdade é que independente da escolha que fizermos, os dedos sempre estarão apontados para nós. Nossas lutas são diárias porque sempre são impostos pra nós obstáculos que precisamos enfrentar. É difícil ser solteira, é difícil casar, é difícil ser mãe, é difícil não ter filhos, é difícil viver sozinha. Pra nós, é difícil viver e por isso só de sermos mulheres já somos vencedoras de uma guerra diária. Então que continuemos a lutar sendo mães ou não!


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A categoria "Vamos Polemizar?" traz assuntos do cotidiano com outras visões e questões. O objetivo é entender melhor alguns sensos comuns dados como verdade por tantas pessoas.

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