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Vamos polemizar: empoderamento para quem? Uma análise do girl power do BLACKPINK

O BLACKPINK é conhecido por suas músicas cativantes e pelos visuais fashion que esbanjam confiança. O girl group é um dos principais embaixadores do chamado conceito “girl power” no k-pop, que guia a maior parte dos lançamentos do grupo da YG. O termo foi criado como uma forma de inspirar empoderamento feminino em outras artistas mulheres, mas será que isso realmente acontece no k-pop? É isso o que queremos descobrir aqui.


Músicas cheias de confiança, coreografias poderosas, mulheres fazendo carão. Esse é o girl power no k-pop. O conceito é um grande conhecido de girl groups como (G)I-DLE, ITZY e, claro, do BLACKPINK. Além dos visuais fashion, a principal característica do girl power são as letras empoderadas, que costumam ostentar dinheiro ou autoestima. Mesmo quando segue a regra do k-pop de canções de amor, o conceito não mostra o eu lírico feminino em desvantagem em relação ao homem que deseja — nesse caso, a letra geralmente inclui mensagens como “sei que você vai ser meu”, “eu sou irresistível”, entre outros versos para lá de previsíveis.


O mote do girl power é basicamente “poder às mulheres” e, por isso, ele encontra muitos fãs entre quem não curte as temáticas mais “inocentes” comuns em girl groups, como o white aegyo. Discutir a rivalidade entre o girl power e os demais conceitos fofos/cute renderia outro “Vamos Polemizar”, então vamos deixar essa questão de lado por ora.

(G)I-DLE transita entre o girl power e o bad girl | Foto: Reprodução

O girl power do BLACKPINK é evidente na discografia das garotas, que sempre prega suas qualidades de um jeito bastante convencido, se vendendo como algo inédito e inovador — afinal, elas não falaram que o BLACKPINK é a revolução? O grupo tenta agradar a gregos e troianos com a ideia de “black” e “pink”: black seria o lado girl power, com lançamentos como How You Like That e Kill This Love, enquanto pink é responsável pelas músicas mais suaves e “vulneráveis” do BLACKPINK, como Stay, Lovesick Girls e As If It’s Your Last.


Contudo, é impossível não notar como o lado black tem mais sucesso: foi com lançamentos deste estilo que o BLACKPINK quebrou a maioria dos recordes de sua carreira, como o de MV mais visto nas primeiras 24 horas no YouTube ou o de música de um girl group de k-pop com mais streams no Spotify. Enquanto isso, Stay segue esquecida no churrasco.


Mas, afinal, de onde vem esse amor todo pelo girl power? Na verdade, de onde vem o próprio girl power?!


O girl power underground ascende ao pop


O dicionário Oxford conceitua girl power como “atitude de independência, confiança e empoderamento entre jovens mulheres”. O termo surgiu de uma zine do mesmo nome, lançada em 1991 pela banda Bikini Kill. Composta apenas por mulheres, elas faziam parte do riot grrrl, um movimento punk feminista que defendia mais presença feminina nas apresentações do gênero.

Bikini Kill, principal expoente do movimento girl power | Foto: Reprodução

Apesar da corrente ser underground em sua origem, ela chegou ao mainstream com atos do pop, como as Spice Girls. Isso pode não fazer muito sentido à primeira vista, mas, se você parar para pensar, um dos versos mais conhecidos de Wannabe expressa sororidade e empoderamento: “Se você quer ser meu amado, então você precisa se dar bem com as minhas amigas”.


Aliadas às músicas chiclete bastante comerciais e à visibilidade da mídia, as Spice Girls ajudaram a disseminar os ideais feministas representados pelo girl power de uma maneira mais “digerível” ao público amplo. Como pontua o dicionário Oxford, o movimento é voltado para mulheres mais novas, e as Spice Girls eram um prato cheio para a audiência jovem, justamente por seguirem a receita de bolo do sucesso do pop. A girl band britânica ajudou a dar confiança a toda uma geração, além de ensinar sobre princípios de amizade feminina e como manter seus ideais firmes diante de homens.


Só que chegamos aqui à limitação do pop: não há espaço para problematização verdadeira. Eu poderia gastar linhas e mais linhas falando sobre indústria cultural e como a música pop é voltada apenas para o mercado com suas mensagens superficiais e repetições sedutoras, mas, francamente? Eu, como fã, sei de tudo isso e eu sei que você também sabe. Ninguém dá play na Dua Lipa esperando ouvir um ensaio da Simone de Beauvoir (por mais que ela tenha chegado bem perto com Boys Will Be Boys… brincadeirinha!!), e está tudo bem.

Spice Girls, que basicamente ensinou feminismo a toda uma geração | Foto: Reprodução

Importante apontar que também existe o outro lado: pessoas que se mantêm no pop trazendo mensagens relevantes de justiça social de forma mais acessível, como a Beyoncé. Porém, o X da questão aqui é que o pop, em sua essência, nunca será 100% questionador, e o mesmo acontece com o girl power nesse cenário. Como questiona a vocalista da banda Garbage, Shirley Manson:


Eu sempre odiei o termo girl power porque ele fingia dar controle às mulheres, quando na verdade nenhuma delas o tinha de fato. Elas [Spice Girls] não compunham músicas, não produziam, não tocavam instrumentos… Eu achava tudo uma grande mentira.”

O caso do BLACKPINK e do girl power no k-pop


A indústria do k-pop é tão artificial quanto a estadunidense, e se mostra ainda mais encenada e controladora em relação à produção dos artistas. Isso é enfatizado por como os cantores de k-pop não são meros “cantores” — eles são ídolos. Integrantes de grupos assinam com empresas e passam por um longo processo de treinamento antes de chegarem ao palco. São aulas de canto, dança, atuação… E não só de arte, como também de outras funções que envolvem o trabalho de celebridades, como media training para não cometer deslizes em entrevistas.


Enquanto bandas de outros gêneros costumam se formar por afinidade, no k-pop você não escolhe os integrantes do seu grupo; é a empresa que controla tudo da formação (salvo raras exceções, como o Brown Eyed Girls). Muitos grupos não têm liberdade criativa para definir os conceitos dos álbuns, as músicas, os visuais do comeback… Isso retoma a crítica de Shirley Manson: não há controle real das artistas femininas sobre a produção musical, então as mensagens das letras passam por um “filtro” corporativo, nunca podendo realmente ousar e traduzir o pensamento delas.

ITZY, conhecido desde o debut pelo conceito girl power | Foto: Reprodução

Fica aí o questionamento: até que ponto o girl power do k-pop é realmente revolucionário e autêntico, considerando que o gênero é tão fabricado? E não tem como não apontar a ironia por justamente uma crença de liberdade às mulheres ser representada na música de uma maneira tão controlada.


É claro que sempre haverá exceções, e uma delas que podemos citar aqui é o grupo veterano do BLACKPINK: o 2NE1. Blackjacks podem explicar melhor do que ninguém como o 2NE1 foi preterido pela YG, e boatos que essa animosidade com as garotas se deu principalmente por quererem o controle artístico do 2NE1. As meninas se envolviam na produção das músicas e letras na medida do possível, e realmente se identificavam com a marca que tinham criado para o grupo.


Por que será que Ugly emociona tanto? Isso é muito provavelmente por transmitir um caso íntimo das garotas, sendo um exemplo de como mulheres no controle de sua produção criativa podem se expressar por meio da arte, ainda que dentro dos moldes limitantes do pop (e da YG com a produção do Teddy).


De certa forma, a CL se tornou um marco por seu envolvimento musical, e não há dúvidas de que ela toma as rédeas da sua carreira hoje em dia, e que também guiava o 2NE1 como líder do grupo (caramba, ela chamou as meninas para se apresentarem no Coachella com ela mesmo anos depois do fim do 2NE1! Tem gesto mais honesto do que esse?).

2NE1, grupo antecessor ao BLACKPINK | Foto: Reprodução

Em 2016, o BLACKPINK surgiu como um sucessor aperfeiçoado do 2NE1, e já chegou entregando girl power e baladão EDM com BOOMBAYAH (“eu não quero um garoto, preciso de um homem”, cantam elas). Só tem um detalhe: o grupo não tem uma líder formal, por mais que muitos achem que a Jennie ocupa o cargo. Em várias entrevistas elas alegam interferir na produção artística para definirem detalhes de MV e músicas (além de também participarem de algumas composições), só que a falta de uma pessoa para administrar e encabeçar essas reivindicações me é suspeita, considerando o histórico da CL. Bom, quem acompanha a YG já sabe bem como a empresa é machista só de ver a diferença de tratamento entre boy groups e girl groups, né?


Então é inevitável que o grupo se contradiga por conta das circunstâncias de produção do k-pop. Esse é o momento em que você me pergunta: tá, Bia, e qual é o problema? A questão é que, pela indústria pop não realmente se apresentar como questionadora do status quo, as músicas do BLACKPINK (e dos demais girl groups) contêm traços machistas apesar de se venderem como feministas.


O próprio verso de BOOMBAYAH que eu mencionei logo acima traz uma idealização do masculino que vai contra o movimento feminista, por exemplo. Não é preciso ir muito longe para entender como o girl power do k-pop pode se tornar ofensivo para as jovens mulheres que o escutam — um dos versos da Lisa em Pretty Savage causa polêmica até hoje por ser gordofóbico: “sou uma vadia magra de nascença, eu não engordo não importa o quanto eu coma”.

Foto: Reprodução

Uma pesquisa com 414 garotas fãs de girl groups revelou que a maioria delas costuma se comparar com as idols femininas, e que desejam ter um corpo parecido com o delas. Lisa podia ter ostentado qualquer qualidade sua — que tal um dos mil recordes do seu grupo? —, mas ela se resumiu ao seu corpo padrão. Por que ela fez isso? E é aí que entra mais um ponto: ninguém do BLACKPINK participou da produção de Pretty Savage.


Um bando de homens produtores escrevendo uma canção que tenta ser empoderadora para mulheres… Não tem como essa combinação dar certo, né? A verdade é que, quando mais se para para refletir, mais raso parece o girl power do k-pop. Já que a indústria da música segue dominada por homens, inevitavelmente uma obra comandada por eles terá o olhar masculino, ainda que busque o empoderamento feminino. Se louvamos alguém magro, então o empoderamento é para quem?


Foto: Reprodução

Sigo ouvindo BLACKPINK e sei que, quem quer que você seja, você também continuará ouvindo as músicas delas. E está tudo bem. O BLACKPINK tem fãs jovens e o girl power do grupo é uma boa porta de entrada para o movimento feminista. Pensando idealmente, ele pode ser o pontapé para educar as próximas gerações de meninas como serem feministas e reivindicarem pela equidade de gênero — assim como as Spice Girls nos ensinaram sobre sororidade de um jeito descontraído.


O problema é não considerarmos como marcado em pedra tudo o que o BLACKPINK e o k-pop prega, porque ele não verdadeiramente foge dos padrões de beleza e dos estereótipos de gênero — ou seja, de tudo que o girl power, em sua origem, repudia. Escutar música pop, em geral, sem senso crítico é muito perigoso. O que uma menina gorda pode pensar ao escutar Lisa se gabando por ser magra? As idols do k-pop ostentam corpos irreais e pouco saudáveis que podem facilmente prejudicar a visão que as garotas jovens têm de si. Ouvir BLACKPINK é bom? Sim, com certeza, mas precisamos tomar cuidado para não levar nada a sério demais.


No mais, fico feliz pelo BLACKPINK ser um contraponto feminino à chegada do k-pop no ocidente, porque é sempre bom ver mulheres conquistarem o sucesso


[PS.: A análise é focada no BLACKPINK e no k-pop por questão de interesse, mas preciso ressaltar aqui que o pop ocidental apresenta igual risco — talvez ainda maior, por conta da hipersexualização mais escancarada das artistas femininas.]



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A categoria "Vamos Polemizar?" traz assuntos do cotidiano com outras visões e questões. O objetivo é entender melhor alguns sensos comuns dados como verdade por tantas pessoas.

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