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Vamos polemizar: como a gordofobia é encarada no entretenimento?

Você prefere se casar com um bandido ou com uma pessoa obesa? Pode parecer uma pergunta muito aleatória, mas, segundo o psiquiatra Adriano Segal, tem pesquisas apontando que muitos universitários realmente preferem se casar com um bandido a alguém bem gordo.


Isso não é à toa. A gordofobia é algo extremamente presente na sociedade, enfiada nos nossos inconscientes de maneira tão gritante que, raramente, uma pessoa gorda é vista como possível parceiro — principalmente parceiro sexual.


Como o entretenimento não passa de um reflexo da sociedade, isso também é fácil de observar em filmes, séries, livros. Um exemplo clássico é Friends: Mônica Geller é uma mulher linda, completamente dentro dos padrões, mas nem sempre esse foi o caso. Mônica sofre de compulsão alimentar e passou muitos anos de sua infância e adolescência sendo obesa.


Na 6º temporada de Friends, os personagens imaginam se Mônica ainda fosse gorda | Foto: Divulgação

E a série menciona isso. Sempre. De maneira irônica e cruel. Temos claramente a Mônica magra como uma vitoriosa, enquanto a sua versão gorda é simplesmente digna de pena. Outro ponto muito importante para entender o funcionamento da gordofobia em Friends é analisar o episódio duplo da 6ª temporada, “The One That Could Have Been”. Nele, os personagens principais imaginam como seriam suas vidas se o destino tivesse tomado outros rumos: se não tivessem se divorciado, se tivessem tido a coragem de se demitir de um trabalho chato, se tivessem aceitado uma oferta de emprego…


No caso de Mônica, claro, se ela ainda fosse gorda. Além de piadas rasas, do tipo “ela está sempre atrás de comida”, algo que chama atenção é que, nesse cenário, Mônica ainda é virgem. No contexto real, em que ela é magra, a personagem não tem problema em arranjar um namorado. Mas, se fosse gorda, provavelmente ficaria sem transar até os 30?


Isso é um exemplo claro da assexualidade imposta às pessoas gordas. Elas não são atraentes e, por isso, nunca consideradas como possível opção. Esse é um dos vários (vários mesmo) estereótipos de gordo que vemos no entretenimento.


E, não se engane: “Friends é antigo, tem mais de 15 anos que acabou”. Sim, mas a gordofobia continua muito presente hoje, até em séries que tanto amamos.



O cenário do entretenimento atual


Não sei vocês, mas eu sou completamente apaixonada por Brooklyn Nine-Nine. Para quem não conhece, basicamente, a série mostra o dia a dia de detetives em Nova York. Ela é engraçada, irônica e muito sensível.


Em suas sete temporadas, a série trata de questões bem delicadas como violência policial, racismo da instituição, sexualidade e assédio no ambiente de trabalho. Além disso, dos seis personagens principais ao longo dos anos temos duas latinas — Rosa e Amy — e dois negros — Terry e Holt —, sendo que Holt, o chefão de todos, é um capitão homossexual, assumido há anos. Basicamente, é um roteiro que respira militância e temas polêmicos. Onde eles poderiam errar? Na gordofobia, claro.


“Mas gordofobia nunca matou ninguém”. Sim, verdade. Mas vamos lá, não estou comparando o racismo, machismo e a homofobia a essa questão. Estou apenas dizendo que, uma série que se preocupa tanto com igualdade e representatividade, ter dois personagens gordos que reproduzem incansavelmente estereótipos tão nocivos é um exemplo claro de que a gordofobia nem sempre é levada tão a sério quanto deveria.


Hitchcock e Scully são dois detetives, um pouco mais velhos que a maioria do elenco. São profissionais que estão na delegacia há mais tempo e ambos são gordos. E, não por coincidência, os dois amigos são sempre os mais preguiçosos do ambiente de trabalho. Eles nunca querem se responsabilizar por nenhuma atividade — apenas comer, comer e comer o dia todo. Vagabundos, no sentindo real da palavra.


Hitchcock e Scully seguem todos os estereótipos de gordo em Brooklyn Nine-Nine | Foto: Divulgação

Para mim, tudo fica um milhão de vezes mais complicado no 2º episódio da 6ª temporada da série, batizado com o nome dos próprios personagens. Nele, um caso antigo retoma a atenção dos detetives e todos conseguem conhecer um pouco mais sobre o trabalho de Hitchcok e Scully, lá na década de 80.


A questão é que, há 30 anos, ambos eram magros. E não apenas magros, mas malhados e bem no padrão — o que assusta os colegas de trabalho de hoje em dia. Até aí, tudo bem — as pessoas mudam e podem engordar com o tempo. O grande problema é que, nesse mesmo episódio, bem ao final, os dois detetives vão até um restaurante, onde comem coxas de frango fritas e simplesmente se apaixonam por aquele prato.


A partir daí, o roteiro sugere que tudo foi dando "errado" na vida dos dois. Ao começarem a comer muito o prato, pararam de ir à academia, engordaram muito, se tornaram viciados em comida. O resultado foi Hitchcock e Scully de hoje: preguiçosos, atrapalhados, doentes e maus-caráteres — que fazem de tudo para fugir do trabalho. E isso é extremamente gordofóbico.


Mas é claro que a gordofobia não é restrita ao mundo das séries. Ela também é muito presente na vida real, com pessoas de carne e osso. Além da constante observação dos corpos femininos, repudiando qualquer engordamento, artistas como Lizzo tem constantemente sua imagem reduzida a isso.


Lizzo é reduzida a uma figura "body positive" | Foto: Divulgação

Por exemplo, a cantora dos hits 'Good as Hell' e 'Truth Hurts' é uma grande mulher, talentosa e habilidosa, mas, na maioria das vezes, a vemos relacionada a temáticas de body positivity e confiança. E isso a incomodada. Incomodada tanto que foi assunto em sua entrevista para a Marie Claire Brasil há pouco tempo:


"Não vou perder tempo falando do meu corpo. Você pode vê-lo, entende?". (Lizzo para Marie Claire, 2020)

Tantas e tantas vezes a cantora é perguntada sobre a coragem de se mostrar como verdadeiramente é. Além de ser gorda, é uma mulher negra e sempre é mencionado a importância de 'alguém como ela' conseguir tamanho sucesso. "Alguém como eu, como?" às vezes pergunta Lizzo. Entendo que representatividade importa, e tenho certeza que ela também, a questão é apenas sua redução a essa temática.


Isso também foi citado por Maqui Nóbrega (@maqui.nobrega), design e sócia da youtuber Karol Pinheiro, no ótimo vídeo "5 coisas para não dizer pra uma gorda". Maqui constantemente é elogiada em suas redes sociais pela sua coragem e confiança, em postar fotos de biquíni, com roupas mais curtas ou algo do tipo.


"Eu entendo que é um comentário feito para elogiar, com a melhor das intenções, mas eu acho que todo mundo que mostra o corpo, tem coragem — sendo magro ou gordo. Mas aí, a pessoa magra que mostra o corpo, é 'natural' [...] porque não é um desafio", diz Nóbrega.


Maqui fala com naturalidade sobre ser uma mulher gorda | Foto: Studiobox (Fernando Braga @ Tyaro Studio)

Mas e as magras não sofrem igualmente por serem chamadas de "palito", "perna fina" etc? E qualquer pessoa acima do peso pode sofrer com gordofobia? Não é bem por aí...


Gordofobia, lipofobia e pressão estética


Penso que, muitas vezes, o excesso de termos e definições mais atrapalham do que ajudam o debate, tornando ele mais confuso e inacessível. Porém, nesse caso, acredito que entender a diferença entre gordofobia, lipofobia e pressão estética pode ajudar muito!


Existem interpretações distintas para esses termos, mas tendo a trabalhar com essa que vou dizer agora (porém, acho muito importante trocar ideia, então, se você tem outra perspectiva, sinta-se livre para expor nos comentários ou no nosso e-mail). Gordofobia seria, como o nome sugere, uma rejeição ao gordo. É graças a ela que existem tantos discursos negativos que inferiorizam aqueles acima do peso.


Sua origem vêm da lipofobia, que pode ser definida como "uma aversão patológica à gordura" (Glamour, 2017), ou seja, aquele medo, aparentemente irracional, de engordar que muitas vezes desencadeia transtornos alimentares. Mas, segundo a lógica que acredito, a gordofobia vai um passo além, sendo responsável por mais do que um discurso de ódio e repulsa, mas também por uma exclusão, na prática, do gordo da sociedade.


Já parou para pensar em pessoas que vestem manequim acima de 46 e na sua dificuldade de encontrar roupas que lhe sirvam? Você já teve que pensar em outros meios de transportes, para além do ônibus, porque seu corpo não passa pela roleta ou não consegue sentar na poltrona? Nos cinemas, por exemplo, às vezes conseguimos achar uma cadeira para obesos por sala — então, se duas pessoas bem gordas foram assistir ao mesmo filme... Uma fica em pé? Essas são algumas das diversas dificuldades que os gordos sofrem diariamente, graças à gordofobia intrínseca à sociedade, que não só repele e humilha, mas faz questão de excluir seja na moda, na arquitetura ou na representatividade no entretenimento.


Gordofobia não é o mesmo que lipofobia | Foto: Pinterest

Por fim, temos a pressão estética. E aí, entramos em um conceito bem amplo. Todas e todos sofremos pressão estética, que tem como padrão um corpo magro (mas com peito e bunda, por favor), branco, alto e cabelos loiros.


É esse conceito que faz com que praticamente toda menina já tenha ouvido o famoso "homem gosta de ter onde apertar", seja para consolar as mais gordinhas ou incentivar as mais magrinhas a comerem mais. Sim, crescemos com a ideia de que temos um homem para agradar que homem eu não sei, já que quando ouvi isso pela primeira vez nem eu, nem minhas amigas pensávamos em arrumar namorado.


Claro que homens também sofrem uma pressão estética, mas me foco aqui nas mulheres por sermos, sem dúvida, as maiores vítimas desse sistema. E, nesse caso, tanto as magras quanto as gordas podem sofrer. Porém, são sofrimentos e opressões diferentes, vindas de lugares diversos.


Por isso, comparar o bullying que muitas magras passaram na escola, por exemplo, — por não terem bunda ou terem braços muito finos — não é exatamente justo com as mulheres gordas, visto que, como falei lá em cima, a gordofobia vem de um lugar de muito mais ódio e repulsa. Mas, como mulheres, nosso corpo nunca é o ideal, independente de como sejamos.


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A categoria "Vamos Polemizar?" traz assuntos do cotidiano com outras visões e questões. O objetivo é entender melhor alguns sensos comuns dados como verdade por tantas pessoas.

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