Chega de sexualização das profissões femininas!
O que é fetiche para você? Bom, de acordo com o dicionário a palavra fetiche é “objeto a que se atribui poder sobrenatural ou mágico e se presta culto”. Mas de acordo com a psicologia e ao senso comum, fetiche significa uma atração erótica por algum objeto, parte do corpo, funções fisiológicas, cenários ou fantasia. E cá entre nós? Todo mundo já teve ou tem algum tipo de fetiche e isso não é nenhum problema, por isso, esse não é o tema do Vamos Polemizar de hoje. A questão é que o fetiche anda de mãos dadas com uma problemática muito séria na vida das mulheres: a sexualização das profissões.
Não é de hoje que algumas profissões fazem parte de um dos maiores sonhos eróticos dos homens. Ter fetiches é normal, como dissemos, todo mundo tem ou já teve um dia. Mas o problema é quando essa erotização passa dos limites e, no caso das profissões, isso é bem comum. É totalmente deixado de lado a qualificação, os conhecimentos e o respeito, que é primordial perde a vez para o assédio. Segundo a pesquisa do LinkedIn e da consultoria de inovação social Think Eva, das 381 mulheres ouvidas, 47% já sofreram assédio no ambiente de trabalho.
Diariamente, muitas mulheres escutam inúmeros comentários machistas envolvendo suas profissões e isso não deveria acontecer. Este texto é direcionado não somente as mulheres que nos seguem, como também para os homens que acompanham o Telas Por Elas. Nós precisamos polemizar, sim, a sexualização das profissões e como elas afetam a vida das mulheres, porque só assim seremos ouvidas!

Não é difícil encontrar exemplos que retratem essa sexualização com os cargos profissionais das mulheres. Muitas séries e filmes, por exemplo, reproduzem essa problemática que enfrentamos dia após dia. Quem nunca assistiu algo que falasse de um jeito pejorativo de uma professora, enfermeira ou comissária de bordo, por exemplo? E caso você não se lembre de nada, a gente te relembra uma cena de um episódio de Friends, uma das séries mais populares entre os amantes do entretenimento. No capítulo em questão, uma namorada do Ross resolve ir para uma festa vestida de enfermeira e o Chandler já associa a roupa a um cunho erótico: “O Joey vai ficar muito feliz! Ele estava torcendo para você vir de enfermeira safada.” e ela responde “Na verdade, sou apenas uma enfermeira.”

E se sairmos das séries e filmes e ir para os sites de conteúdo adulto, vulgo pornô, o número fica muito maior. Os títulos apelativos exalam a sexualização de muitas profissões e ainda mais quando são empenhadas por mulheres. E nós nem precisamos entrar na questão sobre o pornô, afinal, já até fizemos um vídeo ressaltando motivos para não assistir este tipo de conteúdo. Acontece que ter séries, filmes e sites que ainda reforçam essa sexualização torna tudo ainda mais complicado. Isso porque na maioria das vezes quando assistimos algo com muita frequência, a tendência é, infelizmente, reproduzir aquilo.
Particularmente falando, lembro de episódios na escola onde os meninos da minha sala, soltavam comentários do tipo “Impossível prestar atenção na aula com uma professora gostosa dessas...” Aqueles comentários causavam repulsa não somente em mim, mas em todas as outras mulheres da minha turma. Infelizmente, as professoras sempre foram alvo de piadinhas e comentários ofensivos. Lidiane Martins, de 25 anos, é professora e dá aula para crianças pequenas. Ela diz que ouvir falas como estas dos pais de seus alunos, infelizmente, é algo comum:
"Na escola que eu trabalhava, já tive dois casos de pais que achavam que porque você é professora e você está sendo simpática, é o seu trabalho e afinal você tem que tratar bem os pais dos alunos, são seus clientes. (...) E ai eles acham que esse tratar bem é porque você tá dando mole e se acham no direito de soltar cantadas: "Nossa uma professora tão bonita assim!" "Ai queria ser seu aluno também!" Então, assim, piadinhas de super mau gosto e como a gente está num ambiente de trabalho a gente acaba ficando um pouco acuada, tendo que fingir que não escutou e relevar muita coisa. Porque, assim, se falarmos o que aconteceu parece que a gente que fica dando essa liberdade. Porque, infelizmente, o culpado sempre é quem sofre!"
Se sairmos da sala de aula, conseguimos ver que a profissão continua sendo sexualizada. Chegar em algum lugar, como por exemplo uma balada, e dizer “Sou professora” para um homem, muitas vezes significa ouvir de volta “Que dia você vai me dar umas aulas particulares?". Poderíamos até dizer que as professoras fazem parte de um dos maiores fetiches de muitos homens, mas cá entre nós? Essa sexualização muitas vezes ultrapassa os limites do aceitável. Esse discurso com as professoras pode trazer uma série de implicações que, por sua vez, ofende e desqualifica muitas mulheres. Por exemplo, insinuar que tal aluno está tendo um rendimento bom na escola apenas porque a professora é bonita e não porque ela é, de fato, uma boa professora e que consegue ensinar seus alunos a compreenderem aquela disciplina.
Não somente as professoras passam por isso, mas uma outra profissão que também sofre com esses olhares e comentários, são as enfermeiras. Até já citamos anteriormente um exemplo da série Friends, que retrata bem isso. Infelizmente, desde que o mundo é mundo as enfermeiras sofrem com essa sexualização e isso está totalmente ligado a ideia de que a mulher veio ao mundo para servir e cuidar dos homens.
Infelizmente, se você perguntar para alguma amiga ou conhecida que trabalha na área de enfermagem, certamente ela vai te dizer que já ouviu algum comentário por conta da profissão. Isso é uma questão muito séria que até o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo, já se manifestou em questões que retratavam as enfermeiras com um tom sexual. No começo do ano a produtora Kondzilla divulgou a imagem de um clipe que ainda seria lançado. O videoclipe em questão era das cantoras Dani Russo, Mila e Tainá, que apareciam vestidas de enfermeiras.

Segundo o Coren-SP, no estado de São Paulo, a profissão é composta majoritariamente por mulheres e cerca de 80% dos profissionais de enfermagem alegam já ter sofrido alguma agressão verbal ou física no seu ambiente de trabalho, sendo que a mesma porcentagem desse total não faz nenhuma denúncia por medo. Em nota, disseram:
“O Coren-SP entende que a veiculação do vídeo clipe com personagens que representam a enfermagem de forma alegórica e erotizada possa prejudicar a imagem da categoria, perpetuando uma visão equivocada e já ultrapassada. Por isso, solicita às equipes que revejam a abordagem pretendida, sem sexualizar a imagem da enfermagem feminina.”
Não somente nos hospitais, mas no dia a dia de estudantes de enfermagem esse assunto, infelizmente também aparece. Isabella, de 24 anos é estudante de psicologia, mas chegou a cursar enfermagem na faculdade. Durante as aulas, ela diz ter escutado comentários desagradáveis ao lados das amigas e que em festas universitárias a sexualização também se mantinha presente:
“Eu e minhas colegas ouvíamos bastante comentários do tipo “Tá fazendo enfermagem porque quer dar pra médico”, geralmente de caras que estavam fazendo medicina mesmo. E sempre quando tinham aquelas festas de atlética, tinham fotos sexualizadas de enfermeiras também.”
E a sexualização afeta direta ou indiretamente professoras, enfermeiras, comissárias de bordo, executivas, secretárias, jornalistas, cozinheiras... Em qualquer profissão, há sempre algo em comum: são mulheres que desempenham a função. Independente da profissão que iremos exercer, a sexualização nos persegue e nos faz de refém de uma opressão que nos desrespeita. Nós somos mais do que um fetiche e principalmente, mais do que uma sexualização. Nós somos excelentes profissionais, qualificadas para aquela profissão, competentes e acima de tudo fortes por exercer nosso trabalho tão bem em uma sociedade como esta.
Em vários outros textos do “Vamos Polemizar” nós já abordamos as diversas problemáticas que a visão machista que essa sociedade tem sobre nós. E algo me diz que este não é o último texto que falaremos sobre isso. Porque é preciso colocar o dedo na ferida e polemizar estas questões sempre que possível.
Chega de profissões sexualizadas, chega de verem nossos corpos como objetos, chega! Que este texto possa soar como um grito a todas as mulheres que um dia sofreram assédio no trabalho ou que já se sentiram desqualificadas por conta da sexualização de nossas profissões. Porque honestamente? Nós não aguentamos mais dizer que o nosso lugar é onde nós quisermos e que nós exigimos respeito no trabalho, em casa ou em qualquer outro lugar!
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A categoria "Vamos Polemizar?" traz assuntos do cotidiano com outras visões e questões. O objetivo é entender melhor alguns sensos comuns dados como verdade por tantas pessoas