Taburóloga: absorvente, menstruação e a bolha da globalização
Conhecido por vários e vários nomes no Brasil, os absorvente, modess ou tampão tem uma história em nosso país que começou por volta de 1930. A marca, como algumas pessoas conhecem pela tradição do nome, foi a Modess, da Johnson e Johnson. Essa nova “invenção” chegou à população como alternativa aos absorventes de pano e/ou toalhinhas higiênicas, que era usadas na época.
Um dos maiores objetivos comerciais da marca era vender a ideia de uma mulher moderna, atarefada e que não tinha tempo (e nem vontade) para lidar com o “problema” da menstruação. De fato, a Modess atingiu esse objetivo, tanto que durante anos o nome do produto era (e continua sendo) usado como uma metonímia para absorvente, mais ou menos o que acontece com marcas como Cotonete ou Bombril.
Embora a criação de um produto capaz de facilitar a vida das mulheres durante a menstruação trouxe avanços inegáveis, para o desenvolvimento social das mesmas, outro grande tabu se fortaleceu através dessa popularização: o tabu da menstruação.
No “Taburóloga” de hoje, vamos abordar estes dois tabus que permeiam a vida das mulheres desde que o mundo é mundo. Vamos entender como algo natural pode influenciar nas questões de gênero de toda uma sociedade. Para isso, é preciso sair da nossa “bolha” e entender que o mundo é muito maior do que aquilo que vivemos.
O Tabu da Menstruação
A primeira menstruação pode ser um momento bem traumática na vida de uma mulher. Isso porque esse assunto, em muitos casos, não é desmistificado e existe uma aura de medos e inseguranças em torno dele. Quando eu fiquei menstruada pela primeira vez, mesmo já tendo conversado com minha mãe sobre o assunto, minha primeira reação foi esconder, fingir que não tinha acontecido. E isso é muito mais comum do que a gente pode imaginar.
É essa relação de insegurança e desconhecimento com o próprio corpo que o documentário Period. End of Sentence, em português “Absorvendo o Tabu”, fala. O vencedor na categoria de melhor documentário curta metragem do Oscar 2019 mostra a vida de uma comunidade rural na Índia e, principalmente, a relação desta população com a menstruação.
O documentário acompanha a implementação de uma máquina de produção de absorventes descartáveis biodegradáveis, um acontecimento inédito para a comunidade. A realidade retratada pela diretora Rayka Zehtabchi, revela uma discrepância enorme com a realidade que vivemos aqui no Brasil. Muitas das mulheres que vivem na comunidade não pronunciam a palavra “menstruação” e são impostas a seguir um isolamento no período em que estão menstruadas, sendo obrigadas a não frequentar templos, não rezar e nem entrar na cozinha da sua própria casa.
E, qual o lugar dos absorventes descartáveis nessa história?
Diferente da chegada da marca Modess aqui no Brasil, o surgimento de uma escala de produção de absorventes veio acompanhado de uma possibilidade de uma vida melhor para as mulheres que viviam na comunidade. Além de melhorar as condições de saúde e higiene, visto que as meninas e mulheres usavam qualquer tecido para conter a menstruação ainda possibilitou a independência financeira das que atuavam na produção dos absorventes.
Nesta comunidade, não teve propaganda, publicidades e comerciais. As mulheres sabiam o que enfrentavam, o que tinham que deixar para trás devido ao peso que esse tabu ainda tem em seu país e a oportunidade de maneira mais limpa e segura de lidar com essa situação trouxe uma mudança de perspectiva muito grande para as meninas e mulheres da comunidade.
E, como isso afeta a minha vida?
Diretamente, não afeta. Atualmente vivemos um processo de desconstrução do uso de absorventes descartáveis. Cada vez mais, somos apresentadas à novos produtos que cumprem o mesmo papel sem agredir o meio-ambiente. Coletores, absorventes de pano e calcinhas absorventes são exemplos disso.
Entretanto, essas novas forma de consumo não podem ser consideradas uma regra global. Assim como apresentado no documentário, ainda existem locais, mais próximos do que pensamos, em que o tabu da menstruação e, consequentemente, do uso de absorventes não chega nem perto de ser algo fora da realidade.
O que vemos hoje nos comerciais das grandes marcas deste produto é, em sua totalidade, uma representação das mulheres que habitam as regiões mais ricas do país, como explicado pela Janaína Colpani e Mariana Munis de Farias no artigo “A representação social da mulher brasileira do sul e sudeste no discurso publicitário de absorvente”.
[...] a publicidade ainda faz uso destes estereótipos mapeados e como, de forma inconsciente, eles reforçam os papéis de gêneros, raça e tipos de corpos.
Ainda temos muita coisa para abordar. É claro que a indústria que produz os absorventes descartáveis, principalmente em grandes polos de habitação, ainda vendem a ideia da mulher moderna, à frente do seu tempo e sem tempo para lidar com o seu próprio corpo. Entretanto, reconhecer que a publicidade do produto não o representa integralmente é passo fundamental para ampliar nosso conhecimento de mundo.
Não podemos negar que em um país onde apenas 10% das mulheres tem acesso ao uso de absorventes descartáveis, o seu uso é uma forma de empoderar, viabilizar mais conhecimento e diminuir tabus. Enfim, acho que esse é um assunto que pode render mais “Taburólogas” e “Vamos polemizar?” do que imaginei.
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Já pensou como a vida seria muito mais simples se a gente falasse mais sobre alguns tabus? Esse é um dos objetivos da categoria 'Taburóloga', que conta com textos quinzenais!
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