Resenha: "Olhos D´Água" e o retrato das mazelas sociais sob múltiplas perspectivas
Conceição Evaristo é peça preciosa para a literatura brasileira. Com passagens e atuações na universidade pública, a escritora e linguista mineira traz, majoritariamente, em suas obras reflexões acerca da questão racial, sendo também uma referência da literatura contemporânea dentro e fora da academia. Seu livro “Olhos D’Água” (Pallas, 2014) compila retratos valiosos do cotidiano — sejam eles bons ou ruins — a partir das diversas histórias que seus personagens protagonizam.
O primeiro conto, responsável por dar nome à coletânea, narra a angústia de uma filha que, após uma longa e densa trajetória, não lembra a cor exata dos olhos da mãe — motivo suficiente para que ela não pense duas vezes em furar a rotina e ir de encontro ao passado.
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Evaristo empresta sua voz para várias mulheres ao longo do livro, o que talvez seja a sua principal marca. Ana Davenga, esposa do "chefe", que teme a todo instante pela vida do marido; a mendiga Duzu, que carrega consigo marcas de abandono e abuso; Salinda que, sem ao menos achar que um dia fosse possível, cedia ao direito de amar e ser amada com toda intensidade; a menina Zaíta e seu apego incondicional pelos próprios brinquedos.
Ou talvez não seriam todas elas a mesma mulher em momentos distintos da vida?
Para além das célebres vozes femininas, há também contos protagonizados por homens, garotos. A autora não se prende ao gênero e a um só tema. As histórias podem ser leves, reflexivas e/ou de denúncia. Da violência urbana ao racismo estrutural, da paixão avassaladora ao autoconhecimento. A morte pode ocupar espaço em várias linhas, é claro, mas elas também não deixam de celebrar a vida. O último conto, “Ayoluwa, a alegria do nosso povo”, por sinal, recupera o que há de mais valioso em qualquer comunidade: a esperança.
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É uma leitura ardente, que te faz pensar e refletir sobre as mazelas sociais e sobre quem a gente é — e o que a gente pode ser — no meio desse turbilhão. Nessas horas, irei lembrar de quando ela diz: “E quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando a solução”.
Nota 5/5.
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