Resenha: "Belo mundo, onde você está" e o talento nato de Sally Rooney em exaltar a beleza do comum
“Schöne Welt, wo bist du?”. Ou, em tradução literal, “Belo mundo, onde você está?”. A pergunta aparece em um dos versos do poema “Os deuses da Grécia”*, do escritor e dramaturgo alemão Friedrich Schiller, publicado originalmente em 1788. E não por coincidência, inspirou o título do último livro lançado por Sally Rooney, autora dos best-sellers “Conversas entre amigos” (Alfaguara, 2017) e “Pessoas normais” (Companhia das letras, 2019). Conhecida por transpor – e isso ela faz muito bem – as belezas e as angústias da juventude adulta, a irlandesa retoma seu propósito com mais uma tradução desses sentimentos em “Belo mundo, onde você está” (Companhia das Letras, 2021) a partir dos encontros, desencontros e reencontros entre quatro personagens.
Na trama, Alice e Eileen são duas jovens perto dos trinta. Amigas inseparáveis, elas começam esta história afastadas fisicamente uma da outra, porém, sempre juntas em pensamento. Alice é uma escritora famosa que precisou se afastar do ritmo de vida que levava e está de volta a Dublin, agora morando em um casarão numa região interiorana. Já Eileen é editora assistente de uma revista literária e, desde a adolescência – marcada pelo bullying da irmã mais velha –, nutre uma paixão por Simon, conselheiro de políticas públicas de um grupo de parlamentares de esquerda. Os três se conhecem há tempos, mas os sentimentos de Simon por Eileen, embora com muita relutância, também beira ao amor romântico. O último a chegar no grupo é Felix, um rapaz que trabalha em um depósito de caixas cujo encontro se dá primeiro com Alice pelo Tinder.
Em um dado momento da narrativa, os quatro, enfim, passam a compartilhar as angústias de uma vida moldada a partir de expectativas alheias e a descobrir a beleza do que realmente faz a própria existência valer a pena. Mas antes de chegarmos neste ponto somos, bem devagarinho, apresentados ao estilo de vida que cada um leva – apesar de não descobrirmos tudo sobre eles; algumas camadas seguem cobertas até o final.
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A história é contada de duas formas: primeiro, o narrador observador descreve o que está acontecendo no presente. Na sequência, este acontecimento, somado às memórias do passado, às inseguranças do futuro e aos devaneios do momento, é narrado sob a ótica de Eileen ou Alice, quando decidem escrever e-mails uma para a outra. E é nessa parte que residiu minhas pontuais doses de empolgação com a história. Não é todo dia, por exemplo, que você para e reflete se a "cultura da celebridade" não seria uma forma de preencher o vazio deixado pela religião. Ou que talvez tenhamos nascido basicamente para amar e se preocupar com quem a gente conhece, mesmo quando há coisas mais importantes a fazer.
A essa estrutura atribuo o crédito de manter o ritmo da narrativa e impedir que a mesma fique entediante, pois não é uma obra com grandes reviravoltas e romances avassaladores. Não é essa a proposta, aliás. Mas é, sim, um livro pouco empolgante e deveras lento. Por outro lado, permitiu que eu logo me apegasse a outros aspectos para além do arco central e aproveitasse a leitura de outra maneira.
Rooney segue escrevendo sobre pessoas normais em seus dias normais nos mínimos e mais prazerosos detalhes. E talvez seja daí que ecoa o que há de mais belo no mundo: nossa existência e a existência de quem amamos.
*A título de curiosidade, o poema francês ganhou tradução em português por Machado de Assis e foi publicado na coletânea "Falenas", em 1870.
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Ameei <3