top of page

O uso do antidepressivo e os tabus gerados pela desinformação

Por Jéssica Riquena e Luísa Silveira


“A depressão é o mal do século!”. Eu tenho certeza que você já ouviu essa frase em algum momento da sua vida. Pode ter sido no jornal, dos seus pais, seus avós. A verdade é que, há pouco tempo, qualquer pauta que abordava transtornos mentais era tratada às escondidas, de maneira simplificada. Mas essa situação, felizmente, vem mudando.


Estamos no meio do Setembro Amarelo, campanha dedicada integralmente à prevenção do suicídio, e trazer esse assunto com responsabilidade é uma das formas de quebrar esse tabu e permitir que milhares de pessoas que enfrentam essa luta diariamente se sintam à vontade para falar sobre. Esse foi o assunto do nosso último IGTV, no qual destacamos a importância de falar sobre o suicídio.


Mas, além do tabu sobre transtornos mentais, existe quase que um acordo velado em não falar sobre antidepressivos. Afinal, se nunca pudemos falar abertamente sobre depressão, como poderíamos pensar no tratamento? É por isso que no Taburóloga de hoje, vamos falar um pouco mais sobre os preconceitos que cercam o uso de antidepressivos e o quão problemático isso pode ser!


Não é só um mercado lucrativo


É muito comum encontrar esse tipo de argumento na internet, mas antes de você sair repetindo isso por aí, é bom conferir alguns dados recentes sobre o assunto. De fato, nos últimos anos houve um aumento considerável do consumo de antidepressivos.


Uma pesquisa feita por uma seguradora de saúde mostrou que o consumo desses tipos de medicamentos aumentou, só aqui no Brasil, 74% em seis anos. Os dados divulgados mostram que em 2010 eram vendidas 35.453 unidades e em 2016 esse número atingiu a marca de quase 62 mil unidades. E olha, eu sei que pode parecer absurdo mas, infelizmente, estamos falando sobre o país com mais casos de depressão relatados em toda América Latina, segundo a OMS.


E isso vai de encontro, justamente, ao processo de desmistificação do acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Essa tendência, que começou bem antes desse boom causado pela pandemia de coronavírus, é comprovada por pesquisas que mostram que desde 2015 a procura por profissionais dessa área aumento mais de 40%.



Então, embora esse possa ser um mercado bem lucrativo para a indústria farmacêutica, é ao mesmo tempo um progresso muito importante quando pensamos na saúde mental de toda a população, de modo geral. E vale lembrar que esse é apenas um dos tratamentos existentes para a depressão e você sempre deve tirar todas as dúvidas com seu médico.


Mas esse tipo de remédio não causa dependência?


Esse é outro pensamento muito compartilhado no dia a dia. Para explicar um pouco sobre esse grande mito, é preciso desconstruir algumas ideias e entender que estamos falando de uma droga manipulada e prescrita por um médico.


Olhando por esse ângulo, me parece bem mais difícil se viciar em antidepressivos do que em remédios como dipirona, neosaldina, neosoro e similares. A indicação de um médico para um paciente introduzir esse medicamento em um tratamento nem sempre é unilateral e, na maioria das vezes, não é a última instância para a melhora. Até porque, diferente do que você pode achar, antidepressivos não são “pílulas da felicidade”.


A partir daí, temos alguns pontos importantes. Primeiro que, sim, o antidepressivo e outros medicamentos para controlar ansiedade são drogas como outras quaisquer. A grande diferença, portanto, está no acompanhamento médico próximo. Já ouvimos muitas pessoas falarem que nunca usariam remédio, que preferem permanecer doentes. E, várias vezes, são essas pessoas que consomem álcool quase diariamente e utilizam tabaco, maconha e outras drogas para escapar da realidade. No fim, é preferível fazer algo determinado por um especialista, não é?


Mas é claro que não podemos confiar cegamente em qualquer pessoa de jaleco branco. Existem muitos psiquiatras que não são tão dedicados e, inclusive, ganham dinheiro de companhias farmacêuticas para receitar seus remédios. Portanto, é preciso muita atenção. Sentiu que o psiquiatra não ouviu suas reclamações, que a sessão foi feita de maneira automática, que ele não se importou em checar como está sua adaptação ao medicamento? Pode ser um sinal que é hora de trocar de profissional.


E isso traz outro tabu. Muitos ainda acreditam que os antidepressivos, de forma geral, deixam as pessoas emocionalmente dormentes. É a eterna briga entre se sentir triste e não sentir nada, que agonia tantas e tantas pessoas que passaram pelo tratamento. Mas, a verdade é que, a indústria evoluiu muito. E, apesar de apresentar efeitos colaterais, as drogas vêm em dosagens menores e mais controladas, fazendo com que a pessoa não tenha sua rotina atrapalhada - pelo ao contrário, o remédio irá possibilitá-la ser funcional.


Outra questão é que, por não serem pílulas da felicidade, como falamos lá em cima, elas não são usadas magicamente no tratamento, nem produzem, por si só, um efeito curador. Acho difícil encontrar um bom psiquiatra que não aconselhe outros tratamentos em conjunto - terapia, exercício físico, alimentação equilibrada. Os remédios fazem parte de um pacote complexo e não são, nem de longe, reservados para o último caso, em que a pessoa está "perdida" e "sem solução".


Conclusão: viva a sua vida...


O que queremos dizer aqui é que o antidepressivo não é uma solução milagrosa, mas está longe de ser um vilão da juventude. "Estão drogando nossos adolescentes", alguns podem dizer. Mas e se os adolescentes e jovens estejam, de fato, adoecendo, e aí?


A conclusão é que, sim, o remédio é uma droga e que requer muita cautela. Por isso, nunca, de forma alguma, utilize medicamentos de uso contínuo ou de emergência - como rivotril - por conta própria. Mesmo se conseguir a receita com um parente médico. Afinal, o ideal é que um psiquiatra te acompanhe de perto e possa entender melhor o funcionamento de cada substância em seu dia a dia.


Mas, também, queremos ressaltar que o antidepressivo não pode ser visto como um tabu ou uma vergonha. Diabéticos precisam de insulina, pessoas hipertensas tomam pílulas para diminuir a pressão alta. De certa forma, não é a mesma coisa? Qualquer medicamento sem o acompanhamento adequado pode ser perigoso. Qualquer droga, na verdade. E aí entramos de novo naquele seu amigo que demoniza o antidepressivo, mas você raramente o encontra sóbrio nos eventos sociais (pré-pandemia, rs).


Só deixamos aqui nossa torcida para que tudo isso - desde o transtorno em si, até o tratamento, seja por terapia só ou acompanhado de remédios - seja algo mais natural. E, principalmente, acessível. Uma consulta com um psiquiatra que não é coberto por um plano de saúde pode custar centenas de reais. E, normalmente, os que são submetidos às regras da seguradora devem marcar vários clientes por dia - a fim de fazer o dia de trabalho valer.


É complicado. Principalmente em um país cada vez mais deprimido e ansioso, enfrentando uma das piores crises de saúde dos últimos tempos. Precisamos falar sobre o assunto abertamente com nossos familiares, amigos e médicos. Precisamos ter mais psiquiatras em sistemas públicos de saúde e medicações mais baratas ou oferecidas em postos. Assim, vamos conseguir tratar desses problemas e vencer os preconceitos contra a medicação.


___ Já pensou como a vida seria muito mais simples se a gente falasse mais sobre alguns tabus? Esse é um dos objetivos da categoria “Taburóloga”, que conta com textos quinzenais!

bottom of page