Mana do mês parte 2: O legado de Azucena
Não se pode negar que nosso país vive um momento político muito complicado. Com um presidente que abertamente participa de atos e manifestações a favor da intervenção militar, é nosso papel revisitar a memória e impedir que a história se repita. Por isso, nossa Mana do Mês de maio é Azucena Villaflor. Como já vimos na primeira parte, ela foi peça essencial na luta contra a ditadura argentina na década de 70 e pagou com a própria vida o preço de ser resistência. Mas sua história jamais será esquecida e seu legado persiste até hoje.
Azucena foi uma das fundadoras do coletivo “Madres de Plaza de Mayo”, que ainda existe e luta por justiça pelos desaparecidos. Desde a primeira vez em 30 de abril de 1977 até hoje, as mulheres envolvidas com a associação marcham toda quinta-feira às 15h30 na Plaza de Mayo, o centro da vida política de Buenos Aires, Argentina. O objetivo segue o mesmo: encontrar os filhos e netos desaparecidos durante a ditadura argentina. Só pela organização já foram 128 pessoas reencontradas e reunidas com a família.
Como elas começaram a ter mais força?
A história de surgimento já sabemos, mas como elas alcançaram força nacional e internacionalmente em meio a tantas ditaduras pela América Latina? De fato, era muito difícil conseguir espaço nos países vizinhos que também estavam tomados por intervenções militares. A Operação Condor foi um projeto que uniu a inteligência dos Estados Unidos a países como Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai com o objetivo de reprimir movimentos políticos de oposição através da troca de informações entre os países. Ou seja, havia um acordo para facilitar assassinatos e mantê-los em sigilo.
Mas foi na Copa do Mundo de 1978 - um ano após o assassinato de Azucena -, que “las madres” viram uma oportunidade. A imprensa do mundo inteiro estaria ali na Argentina para cobrir o grande evento esportivo e elas teriam algumas chances de expor o que acontecia. E não perderam nenhuma. Já na chegada dos jornalistas ao aeroporto algumas madres pediram ajuda para encontrar os filhos que o governo sequestrava e não se pronunciava sobre.
A imprensa internacional logo tomou ciência da situação. Afinal, quem eram as mulheres que repetiam “nós queremos nossas crianças, eles devem nos dizer onde elas estão”? Até que, em uma quinta-feira, havia mais jornalistas internacionais na Plaza de Mayo para entender as mulheres de lenços brancos na cabeça do que em estádios. Jogadores da seleção holandesa e sueca também se pronunciaram a respeito da Escola de Mecânica da Armada, o maior centro de detenção da Argentina. E foi aí que elas começaram a se comunicar com imprensa e órgãos internacionais.
E como elas estão hoje?
O coletivo se dividiu por divergências políticas e ideológicas e hoje são a Associação Madres de Plaza de Mayo, Abuelas de Plaza de Mayo e Associação Madres de Plaza de Mayo Linha Fundadora. As diferenças foram algumas, como aceitar o apoio financeiro oferecido pelo governo, adotar medidas de busca generalizada ou individual pelos desaparecidos e até mesmo desavenças com as líderes. Mas, apesar de tudo, o objetivo segue o mesmo: buscar justiça pelas famílias que sofreram durante a ditadura argentina.
Resistência, exemplo e inspiração
Nada disso teria sido possível sem a coragem de Azucena para enfrentar o regime e buscar justiça para seu filho e tantos outros desaparecidos que ousaram ser resistência. Ela sabia que não se tratava de um caso isolado, mas, sim, de um projeto de governo. E, em tempos como os de hoje, precisamos relembrar sua história e sua luta para que não tenha sido em vão. Se hoje somos livres é porque muita gente deu a vida em busca de um futuro melhor. E isso jamais deve ser esquecido.
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'Mana do mês' é a personalidade feminina influente escolhida para ser homenageada pelo Telas. Todo mês uma mulher importante e relevante é selecionada para contarmos sua história e legado
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