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Foto do escritorFilipe Pavão

Mana do Mês de junho: Elza Soares

De Padre Miguel para o mundo! O Mana do Mês de junho apresenta a história de uma mulher preta e da periferia do Rio de Janeiro que se converteu na voz do milênio de acordo com a BBC em 2000. O Telas Por Elas mostra a trajetória de uma das mentes mais brilhantes da nossa cultura popular. Tudo isso ainda é pouco para descrever e homenagear a música de Elza Gomes da Conceição, ou como todo o mundo conhece, Elza Soares, a “Mulher do Fim do Mundo”.


É nesse mês de junho, no próximo dia 23, que a artista completa 90 anos de vida. Nove décadas de superação frente a uma sociedade racista e sexista que a julgou, sobretudo, nas primeiras décadas de carreira. Elza desafiava os padrões do século XX por ser uma mulher dona de sua própria vida.


Atualmente, Elza segue revolucionando e mostrando que cantará até o final porque precisamos ouvir os ensinamentos de uma mulher lendária (e para a nossa sorte também!). Ela não para e continua ativa no mercado fonográfico. Só nos últimos cinco anos, lançou três discos aclamados pelo público e pela crítica, fazendo shows no Brasil, Estados Unidos e Europa.


Elza Soares é a Mana do Mês de junho no Telas Por Elas

Infância difícil e o início da carreira


Filha do operário Avelino Gomes e da lavadeira Rosária Maria da Conceição, Elza nasceu em 1930 no subúrbio do Rio de Janeiro, onde hoje é a favela Vila Vintém, no bairro Padre Miguel. Começou a cantar por influência do pai que tocava violão nas horas vagas.


Ela teve a sua infância interrompida já que foi forçada a se casar aos 12 anos de idade e tornou-se mãe aos 13. A juventude de Elza foi tão dura que ela já havia enterrado dois filhos e um marido aos 21 anos.


Ela tirou forças da dificuldade de se tornar viúva e perder os filhos tão cedo para ingressar na carreira artística. Em 1953, ficou em primeiro no programa de calouros do Ary Barroso, na Rádio Tupi. Também trabalhou como crooner da Orquestra Garam Bailes e foi contratada para trabalhar na Rádio Vera Cruz.


Foi na década de 1960 que ela ganhou projeção nacional, sendo apresentada ao país quando cantou no Festival Nacional da Bossa Nova. Chegou a representar o Brasil na Copa do Mundo no Chile, em 1962.


Elza Soares jovem.
Elza Soares jovem. (Foto: Divulgação / TV Cultura)

Reconhecimento internacional


Na década de 70, passou a se apresentar nos Estados Unidos e Europa. Chegou a substituir a cantora Ella Fitzgerald, sendo ovacionada em diversos países europeus. Elza contou que as pessoas esperavam por Ella, mas se rendiam as suas interpretações cantando bossa nova.


Mas, sem dúvidas, o maior reconhecimento foi dado pela BBC de Londres em 2000. Elza foi eleita “a melhor cantora do milênio”, sendo reconhecida pela sua voz rouca e singular. Neste mesmo ano, Elza teve um show exibido ao vivo pela emissora britânica, entrando para uma seleta lista que incluía, até então, Wynton Marsalis e Ladysmith Black Mambazo.


Também já foi indicada ao Grammy Latino em três oportunidades diferentes. Do Cóccix até o Pescoço (2002) e “Deus É Mulher” (2018) não levaram o prêmio, mas o disco “A Mulher do Fim do Mundo” (2015) sim. Ele ainda foi elogiado pelo site Pitchfork, um dos sites de música mais importantes do mundo, com o título de “melhor novo álbum”.


Elza Soares durante turnê. (Foto: Reprodução / UOL)

Imaginário popular e as manchetes de jornal


Todo esse reconhecimento internacional não era refletido dentro do Brasil. Elza ocupava as manchetes por “destruir o casamento de Guarrincha” ou, posteriormente, pelas suas operações plásticas. Nunca foi dado o reconhecimento necessário que a grande obra de uma rainha merece.


Após passar por uma infância e juventude difícil, Elza teria de enfrentar a perseguição da sociedade por se relacionar com o jogador Garrincha. O jogador, que estava no auge da carreira futebolística na década de 60, ainda estava em outro casamento quando eles começaram a se relacionar.


Elza ainda recebia ameaças políticas pelo seu breve relacionamento que teve anteriormente com o presidente João Goulart, deposto do cargo pela Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Devido às críticas e a perseguição durante a Ditadura, os dois tiveram de se exilar na Itália.


Elza Soares e Garrincha em 1971.
Elza Soares e Garrincha em 1971. (Foto: Arquivo / O Globo)

Já na década de 80, Elza sofreu mais perdas importantes, o que culminou em uma depressão. Ela se separou de Garrincha devido a constante violência doméstica do jogador que sucumbiu ao alcoolismo e também viu a morte do jogador por cirrose hepática. Além disso, perdeu mais um filho, o qual teve com o jogador Garrincha, em acidente no Rio.


Ainda na década de 80, ela quase interrompeu a carreira por não ter incentivos da gravadora. Quem a ajudou a superar a fase foi Caetano Veloso. Ele convidou Elza para um dueto na música “Língua”, que entrou no álbum “Velô” (1984) do cantor baiano.


A trajetória pessoal de Elza só evidencia que as mulheres pretas tem suas dores amplificadas por preconceitos. Ainda assim, atualmente, ela diz que a única coisa do passado que a machuca é a perda de quatro dos seus oito filhos. “O resto tiro de letra, mas filho é uma ferida aberta que não cicatriza. Estará sempre presente!"

Volta por cima e trabalhos memoráveis


Elza superou tramas, perdas e o preconceito contra uma mulher preta livre. Pode-se dizer que o Brasil do século XXI tem reconhecido mais a necessária obra da artista, dona de hits como “Malandro” e “Mas Que Nada”.


Elza utiliza da sua voz rouca e da sua obra, que mistura samba e bossa com música eletrônica, guitarras e beats modernos, para denunciar as mazelas da sociedade. Racismo, sexismo, violência doméstica e outros temas são constantes em suas obras, principalmente nos três últimos discos de músicas inéditas: “A Mulher do Fim do Mundo (2015), “Deus É Mulher” (2018) e Planeta Fome (2019).



Hoje, aos quase 90 anos, Elza arrasta milhares de fãs em seus shows dentro e fora do país ainda que conviva com um grave problema de coluna presente desde a queda em um show em 1999. Mesmo sentada, modo como Elza se apresenta desde 2014 quando operou a coluna, seu show é visceral e forte. É impossível sair dele da mesma maneira em que você entrou.


Mas a relevância musical de Elza não cabe em só um texto. Na segunda parte do Mana do Mês de junho, no próximo dia 20/06, vamos abordar com mais atenção a obra musical da artista e a relação de suas músicas com az mazelas sociais (e pessoais). Elza tem muitos marcos na sua carreira, né?


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'Mana do mês' é a personalidade feminina influente escolhida para ser homenageada pelo Telas. Todo mês uma mulher importante e relevante é selecionada para contarmos sua história e legado

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