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Foto do escritorLuísa Silveira

Mana do Mês de dezembro: Clarice Lispector | Parte 1

Clarice Lispector é definitivamente um dos maiores nomes da literatura brasileira e, até mesmo, mundial. Com obras traduzidas para 32 idiomas e publicadas em 40 países, a autora carrega nome de prêmios, homenagens em feiras literárias e um exército de leitores apaixonados. Na próxima quinta-feira (10), Clarice completaria 100 anos e, por isso, decidimos falar um pouco sobre essa figura transcendental que, mesmo mais de 40 anos após sua morte, continua sendo lida, comentada e debatida em todo o mundo.


Como dito, Lispector nasceu em 10 de dezembro de 1920, na região de Podólia, hoje parte da Ucrânia. Seu nome anteriormente era Chaya, dado pelos seus pais russos. A família mudou-se algumas vezes, fugindo das repressões contra os judeus, que se espalharam na Guerra Civil da Rússia. Por parte de mãe, os Lispector tinham parentes na América do Sul e, por isso, o Brasil se tornou uma possibilidade. Após tentativas clandestinas de emigração, eles conseguem a liberação e viajaram, em 1922, em um navio brasileiro, com condições precárias. Chegaram em Maceió, onde foram recebidos pelos familiares. A maioria teve que adaptar seu nome para algo que remetesse mais ao português, como forma de manter a discrição. Assim, Chaya se torna Clarice Lispector.


A família permaneceu na região por algum tempo, quando, então decidiram se mudar para Recife, acompanhados ainda de uma grande dificuldade financeira. Porém, isso não impediu Clarice de rapidamente mostrar seus dons. Assim que aprendeu a escrever, com sete anos, a jovem produziu uma peça teatral, baseada em outra obra que havia assistido e enviou contos para o Jornal de Pernambuco, que não foram publicados já que não se encaixavam bem na modalidade infantil do veículo. Mas, nesse momento, já começava a carreira promissora de um dos maiores nomes do Brasil.


As múltiplas personalidades de Clarice


Não há dúvidas de que Clarice Lispector era uma mulher de muitos talentos. Falava várias línguas - como português, francês, hebraico, inglês e iídiche -, tocava piano e chegou a se dedicar à pintura em alguns momentos de sua vida. Porém, sua paixão era, sem dúvida, a escrita. Esse foi um dos motivos para, depois de ter se mudado para o Rio de Janeiro com a família já na década de 1930, ter ingressado em Direito, na Universidade do Brasil (hoje a UFRJ). A jovem acreditava que no curso, por meio de palavras, conseguiria provocar mudanças sociais, já que se indignava com o que viveu e com o que via outros vivendo no Nordeste. Porém, aos poucos, a literatura foi crescendo em seu coração.


Em meio às censuras do regime ditatorial de Getúlio Vargas - que foi próximo do governo nazista antissemita -, Clarice se interessava por outra área dominada por homens: o jornalismo. Em 1940, publicou seu primeiro conto em uma revista, chamado "Triunfo" e desde então perseguiu a oportunidade de ingressar na área, oferecendo seus trabalhos a diversas redações. "Eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo. Chegava lá nas revistas e dizia: 'Eu tenho um conto, você não quer publicar?'", disse Lispector, em entrevista. Foi contratada para ser tradutora da Agência Nacional - já que também trabalhava com traduções desde o início da faculdade de Direito -, porém, por falta de um cargo específico, entrou na vaga de editoria e reportagem, sendo a única mulher a ocupar essa posição.


Foi também na Agência Nacional que conheceu sua primeira paixão platônica, Lúcio Cardoso. Porém, o homem era gay e ambos desenvolveram uma linda amizade. Na época, apesar de novo, com 26 anos, o rapaz já era conhecido no meio e sua intimidade com Clarice permitiu que a jovem conquistasse novos lugares em seu trabalho. Cobriu eventos importantes do país como repórter, chegou a conhecer o presidente Getúlio Vargas e deu continuidade a seus projetos no Direito, abordando, principalmente, temáticas sobre reforma do sistema penitenciário. Foi por meio de Cardoso que Clarice conheceu diversos escritores importantes, como Rachel de Queiroz e Vinícius de Moraes, e foi inspirada a escrever seu primeiro romance "Perto do Coração Selvagem", publicado em 1942.


A literatura de Lispector


Sua linguagem metafórica e profunda foi suficiente para conquistar e indagar milhares de leitores e alguns dos maiores escritores do mundo. Clarice casou-se com o diplomata Maury Valente, que conheceu na faculdade de Direito e, por isso, passou a morar em diversos países ao longo de sua vida - como Estados Unidos, Itália, Inglaterra... A diversidade de culturas e hábitos foi um dos motivos que permitiu que a literatura de Clarice fosse tão versátil e tocante. Além disso, a autora trouxe um toque mais sensível e profundo que muitas vezes faltava no universo literário saturado de homens.


Para Marina Colasanti, amiga pessoal e biógrafa de Lispector, sua obra falava muito mais sobre a própria escritora do que qualquer convivência poderia fazer. "Nela, Clarice entregava tudo: seus desejos, temores e até parte de sua biografia", afirma Colasanti. A conhecida ainda revela que, no dia a dia, era fácil encontrar a autora falando sobre astrologia, espiritualidade e misticismo. A religião era importante para ela e bebia da fonte de várias culturas e crenças. Se converteu ao cristianismo - abandonando, por parte, sua origem judaica - mas isso foi um segredo que levou para o túmulo, compartilhando apenas com sua grande amiga Olga Borelli. Porém, ser cristã, como dito, não a limitava. Inclusive, após conversar com uma cartomante - inspiração para um de seus maiores romances "Hora da Estrela" - ela decide se consultar com a profissional pelo resto da vida.


Em suas obras, representava mulheres reais, com dificuldades e falhas, com sonhos oprimidos e vontades ocultas. Na sua vida, defendia maior representação feminina em órgãos e instituições públicas. Afinal, em muitos locais que passou, Clarice era uma das únicas mulheres do ambiente. Inclusive, na década de 1970, defendeu que a Academia Brasileira de Letras deveria ser presidida por uma escritora, mais precisamente Nélida Piñon, o que de fato aconteceu, anos depois. Esse detalhe, segundo a própria Piñon, mostra uma certa intuição poderosa, característica de Clarice. "Eu nunca tinha dito a ela que desejava entrar na Academia, que na época era realmente muito fechada às mulheres", relembra a moça.


Lispector morreu em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 58 anos. Foi vítima de um câncer de ovário avançado que, quando descoberto, já dominava grande parte de seu organismo. Deixou dois filhos e muitas obras, mas, sobretudo, deixou sua vida como marco de mulher talentosa, única e especial. Em seu leito de morte estavam Nélida e Olga, segurando sua mão. Inclusive, a segunda ficou responsável por escrever textos que Clarice ditava, quando já estava muito mal para realizar o trabalho com as próprias mãos. Porém, seu cérebro nunca parava - produziu e escreveu até o fim. E seus livros, contos e textos vão ser o tema da segunda parte desse Mana do Mês. Por enquanto, ficamos com a história de vida de Clarice, cercada por dificuldades, preconceitos e sonhos - características também presentes em suas obras.


____ “Mana do mês” é a personalidade feminina influente escolhida para ser homenageada pelo Telas. Todo mês uma mulher importante e relevante é selecionada para contarmos sua história e legado.

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