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Friendzone: muito mais que um meme (supostamente) inocente e inofensivo

“Vamos ser só amigos”. Essa é uma frase que dói no ego de muita gente — afinal, não é exatamente fácil ser rejeitadx. A pessoa pode ter a autoestima gigante que tiver, mas atire a primeira pedra quem nunca sentiu um aperto no peito ao ouvir tal declaração. O problema não é a dor do “não”, e sim a forma como você encara essa negativa.


Isso pode parecer papo de coach, mas espera que já já chego no xis da questão: friendzone. Pois é, tem gente que chora por uma semana por causa de rejeição, e tem gente que culpa a temida “friendzone”. Ela existe de verdade ou é apenas mito? Vem comigo entender essa história melhor.

Foto: Reprodução

O que é essa tal de friendzone?


A gente costuma ouvir o termo em situações em que especificamente um homem define a rejeição que sofreu de uma mulher. O cara se declara e ela diz que não, e comenta a aterrorizante frase “vamos ser só amigos”. É isso. Só que não. Na hora de contar essa história para outra pessoa (um amigo, talvez), o cara rejeitado diz que a menina o “colocou na friendzone”, como se este fosse um local cuja chave está em posse das mulheres malvadas que negam homens.


Ao que tudo indica, a ideia de “zona da amizade” caiu no gosto popular com o episódio The One With the Blackout de Friends (1994-2004). Na história, o mulherengo Joey explica para Ross que ele está na tal da friendzone porque seu interesse amoroso, Rachel, não o vê como um parceiro em potencial. Assim, a palavra aparece para explicar que mulheres têm supostamente algum tipo de poder que permite delegar a posição de homens em sua vida, quando, na verdade, aquilo é só sofrência amorosa mesmo.

Que lugar seria a friendzone? | Foto: Reprodução

Vemos aí como uma simples palavra pode criar todo um conceito que controla narrativas e mostra quem é superior. O homem, com sua posição privilegiada no patriarcado, pode criar tais termos para validar sua visão (mesmo que esteja errada), em vez de simplesmente assumir aquela tristeza nossa de todo dia ao ser negado por quem gosta. O homem foi rejeitado? Então a culpa é da mulher, que lhe oferece como “prêmio de consolação” sua amizade. Se você não acha injusto ver a amizade de alguém de tal forma desprezível, então nós temos alguns problemas aqui.


Afinal, de onde veio a friendzone? É fácil apontar o dedo na cara dos roteiristas de Friends e culpar a série, mas a razão pela qual a palavra pegou tão fácil é porque ela traduziu um sentimento comum entre muitos homens. Que sentimento será esse?


A culpa é minha e coloco em quem quiser


O que define a friendzone principalmente é a frustração, e essa sensação é diretamente ligada a acreditar que não recebeu algo que lhe era direito. Nesse caso, em especial, seria o amor da garota por quem se interessa. A intensidade do sentimento de injustiça corresponde ao esforço empregado no flerte e, até aí, é tudo compreensível… Até que uma simples busca em fóruns da Internet por “friendzone” retorna mensagens estúpidas do tipo “eu fui tão legal com ela e ela sequer me notou”.


Os comentários por aí culpam a mulher e vão em dois extremos: ou ela é uma vilã empata-foda ou uma criança que “não sabe o que é melhor para si mesma”. O primeiro aspecto é conectado à questão de ser educado e atencioso com uma mulher apenas visando a pegação (e achar que merece algo em troca pelo simples fato de aparentar bons modos), enquanto o segundo segue a ideia que o homem, por ser o cara certo para ela, se vê no direito de definir quais escolhas são adequadas para a mulher.


A friendzone se popularizou tanto porque ofereceu de bandeja aos homens uma forma de proteger o ego. É muito mais fácil jogar a responsabilidade da rejeição para cima da mulher, em vez de encarar questões mais sérias de comportamento e crenças. A mesma lógica de vitimização é empregada pelos chamados “incels”, por exemplo. O título, abreviação de involuntary celibates (celibatários involuntários, em português), é usado por homens que acreditam que são virgens porque as mulheres impõem o celibato a eles por se recusarem a fazer sexo. Que loucura, né?

Foto: Reprodução

Já abordamos a virgindade uma vez aqui no blog e até explicamos como o conceito é prejudicial tanto para quem tem vida sexual ativa quanto para quem não transou ainda (ou nunca transará). O curioso é que a pesquisa para o Taburóloga “eu nunca beijei” não encontrou nenhum discurso de mulheres culparem homens por sua virgindade — mas o inverso acontece, e muito, com as comunidades online de incels.


Tanto o incel quanto o friendzonado se consideram muito melhores do que qualquer outro homem que a mulher vá “escolher” para se relacionar, porque eles juram de pé junto que a rejeição não tem nada a ver com eles, e é apenas um ato malicioso de uma menina para aquele pobre garoto. Na Saga Crepúsculo (sim, eu vou usar esse exemplo), o principal argumento de Jacob para que Bella fique consigo é que ele seria mais “seguro” que Edward. Jacob não se oferece por si só, e sim sempre em comparação com o atual namorado da garota.


Além disso, mais de uma vez o personagem critica que Bella não sabe por conta própria o que é melhor para sua própria vida. Quem é fã de Crepúsculo sabe que a história ainda se dá ao trabalho de mostrar o perigo de humanos conviverem próximos de lobisomens com o caso de Sam e Emily, que arranha parte do corpo da parceira durante uma transformação. Ou seja, todo aquele argumento de vampiros assassinos cai por terra, porém é mais confortável para Jacob crer nisso do que no fato que Bella não o vê daquela forma.


Mídias como Crepúsculo perpetuam a ideia de que a conquista requer persistência por parte do homem, o que leva facilmente a ilusões machistas como “mulher se faz de difícil, diz não quando quer sim” — que dificultam a aceitação da rejeição feminina pelo homem. Os filmes costumam retratar os homens em uma jornada que conclui com a conquista da dama, o que dá a impressão de que a figura feminina é uma recompensa por bom comportamento e justifica a frustração de ser friendzonado.

Foto: Reprodução

E é curioso observar que essa questão de tratar uma mulher bem tem certa dualidade. Primeiro, porque a mulher não merece respeito por si só (por ser uma pessoa e, idealmente, todos merecermos respeito e educação). Segundo, porque existe um limite para tratá-la bem a fim de atrair sua atenção já que, no caso dessa “caridade” ser vista como amizade pela menina, isso significa que ele não é visto como homem por ela, uma vez que não é considerado um parceiro em potencial.


Nesse ponto entra a questão da masculinidade tóxica e o estereótipo de gênero, tão prejudicial para todos, que já abordamos algumas vezes aqui no Telas. Essa proibição de homens entrarem em contato com emoções “femininas” como carinho e atenção, por exemplo, é um dos motivos que os impedem de se interessar por temas como astrologia.


Um momento de autocrítica


É nesse momento que uso meu extenso conhecimento em relações humanas para dar conselhos. Vamos parar um pouco para refletir sobre essa questão de se apaixonar por amigos — e ser rejeitadx.


Claro que há situações em que a falta de interesse está acima das partes envolvidas (às vezes o santo simplesmente não bate, não há química, acontece), mas não é de todo errado suspeitar que, sim, às vezes o problema é o cara. Se, para começo de conversa, ele fala “friendzone” e trata mulheres bem apenas para ficar, esses pontos resultam claramente em alguém muito desagradável que receberá vários nãos até realizar uma bela de uma autocrítica e mudar seu raciocínio machista.


A oferta de amizade da garota, que pode ser tão ofensiva para o homem, é na verdade um gesto de interesse no sentido “não me apaixonei, mas você é legal”. Isso não deve ser encarado como um insulto. Obviamente há casos em que não é fácil aceitar uma amizade logo de cara, e é natural se afastar da pessoa após a rejeição para organizar cabeça e sentimentos. Entretanto, por mais frustrante que seja receber um não, nada justifica desprezar o gesto de amizade de alguém e considerá-lo uma espécie de consolo.


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A categoria "Vamos Polemizar?" traz assuntos do cotidiano com outras visões e questões. O objetivo é entender melhor alguns sensos comuns dados como verdade por tantas pessoas.


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