Entrevista: Saúde Mental na Quarentena
O período da quarentena contra a COVID-19 vem transformando a forma como vivemos. Desde o início das medidas de isolamento aqui no Brasil, entre a segunda e terceira semana de março, muitas pessoas mudaram, radicalmente, as suas rotinas. A forma de contágio rápida e a preocupação com os integrantes do grupo de risco fizeram a maior parte da população colocar o coletivo antes do individual.
Entretanto, essa rápida mudança colocou em pauta outro assunto: a saúde mental. Em um momento onde a incerteza e a falta de conhecimento nos rodeia 24 horas por dia, muitas pessoas tem vividos momentos de grande ansiedade, medo e pânico. Este é um momento que fugiu completamente da nossa rotina e que nos tirou da zona de conforto de uma forma que nunca havíamos vivido antes.
Por este motivo, hoje convidamos a Ully Guahy, Psicóloga Clínica e mestranda em Psicologia Social do Trabalho pela Universidade de São Paulo, para uma conversa sobre saúde mental na quarentena. Vamos lá?
Como o período de isolamento social/quarentena pode afetar a saúde mental das pessoas? Algumas pessoas que precisam ter mais cuidado com este momento?
É importante pensar que esse período é uma situação nova que nos tira completamente da nossa zona de conforto. Isto é, estávamos acostumado a um determinado funcionamento do nosso dia a dia, tínhamos um planejamento, uma rotina e de uma hora para outra um vírus se espalha pelo mundo e desloca milhões de pessoas para um lugar totalmente desconhecido.
Dessa forma, nossa primeira reação é entrar em estado de alerta e isso faz com que aumente o nosso estresse, aumente a nossa ansiedade, é como se precisássemos estar em contínuo estado de fuga. E nesse contexto, nossa saúde mental acaba ficando abalada.
É evidente que cada um irá reagir de uma forma, pensando que somos seres singulares, e fazemos partes de diferentes contextos, certo? Então enquanto terão pessoas que canalizarão as energias nos estudos, por exemplo, outras podem se sentir completamente bloqueadas nesse sentido e não conseguirem se concentrar em nada. E isso é perfeitamente normal! O que precisamos fazer é acolher tudo isso e cuidar.
Acredito que neste momento todos devem estar atentos e cuidar da saúde física e mental. Porém, não dá para generalizar e dizer que todos precisam ter os mesmo cuidados. Além das pessoas que se encontram no grupo de risco, o que acaba gerando uma preocupação a mais, uma carga mental a mais, precisamos olhar também para aquelas que estão em maior estado de vulnerabilidade dentro de casa.
É lógico que no mundo ideal, nossa casa deveria se sinônimo de segurança e conforto, mas sabemos que a realidade está bem longe disso. Por isso é importante uma atenção maior a essas pessoas. Tanto delas com elas mesmas quanto de sua rede de apoio (o que inclui parentes, amigos, vizinhos, profissionais que a acompanham...). É fundamental que esta (a rede de apoio) esteja disponível e vigilante nesses casos.
Enquanto algumas pessoas estão passando pela quarentena sozinhas e estão enfrentando um momento de solidão muito grande e, outras estão com a família e enfrentando muitos conflitos e stress. Quais facilidades e dificuldades essas pessoas podem enfrentar e quais as melhores formas de lidar com isso?
Como você colocou, tanto quem está sozinho quando quem está em família pode estar enfrenta situações bem difíceis e inclusive bem parecidas, de conflito, estresse e solidão, em ambos os casos. Uma das coisas que a quarentena nos priva é da opção de fuga, então de modo geral estamos todos "obrigados" a ficar em casa lidando com com questões que provavelmente já existiam antes, mas agora se intensificam porque acordamos, passamos o dia e dormimos com elas grudadas na gente.
Eu acho muito difícil afirmar quais as facilidade e dificuldade que essas pessoas podem enfrentar porque está bem longe de ser receita de bolo. Tudo vai depender, mais uma vez, do contexto que ela se encontra, e o como que ela e esse contexto estão dispostos a passar por isso. Talvez um exemplo fique mais fácil para exemplificar o que eu quis dizer. Pode ser que uma pessoa que tem conflitos familiares tenha a oportunidade, nesse momento, de resolver essas questões, que tanto ela quanto aos familiares estão dispostos a olhar para os problemas que eles têm e serem mais cuidadosos e acolhedores uns com os outros. E isso seria ótimo, só que é preciso ter cuidado para não romantizar tudo e achar que isso precisa ser uma regra a ser aplicado a toda família. Existem ambientes familiares que isso é inviável, que a realidade está muito distante disso.
Acredito que em todo caso, o ideal é que nesse momento, quem está passando com essas situações se fortaleça, busque a rede de apoio, procure por ajuda profissional para compreender melhor como pode lidar com isso, dentro as próprias possibilidades.
Estamos vendo na internet, principalmente no Instagram e Youtube, uma rede de pessoas produzindo conteúdo diário para entretenimento. Isso pode nos ajudar durante esse período?
Depende, primeiramente qual conteúdo é esse e segundo como ele está sendo usado. Têm conteúdos incríveis que estão sendo produzidos nesse período, aulas de dança, de yoga, ensinando a tocar instrumentos, e isso, de alguma maneira, é ótimo porque é uma forma de estar em relação com outras pessoas dentro das possibilidades atuais.
Essa pandemia nos convoca a ocupar outros espaços e criar novas formas de afetos e de relações. Porém, também há uma oferta muito grande de tudo que está sendo oferecido, o que muito facilmente nos leva para um lugar de produtividade excessiva e exaustão. Nesse momento a gente não precisa se preocupar - ou pelo menos não deveria - em aumentar nossas competências no currículo. Então, se esse conteúdo todo que está sendo oferecido for usado como uma forma de relaxamento, para desestressar, para o bem-estar do indivíduo, ótimo! Porque nosso corpo já está sob estresse o suficiente. Caso contrário, é importante repensar o seu uso.
É normal se sentir frustrado neste momento? Como lidar (e como não lidar) com esse sentimento?
Muitos tipos de frustrações podem aparecer nesse momento. Posso me sentir frustrada com o meu trabalho, com a minha produtividade, com a forma com que venho lidando com os conflitos, ou com o papel que desempenho na família. Tudo isso envolvem crenças nas quais o indivíduo podia pautar a sua vida e que agora precisam ser ressignificadas. É normal que a frustração apareça. E ainda que cada um lide com esse sentimento de alguma maneira - vai da história de cada pessoa - é importante que diante da frustração venha a reflexão.
Pensar o que daquela situação lhe frustrar tanto e a partir disso buscar mudanças, novas formas de lidar com o ocorrido. Então por exemplo, me frustrei com o meu trabalho, percebi que não vejo mais sentido no que eu faço, na forma que eu faço; não gostei de como a organização que eu trabalho vem lidando com essa pandemia. Então paro para refletir, o que não tem mais sentido? O que tinha sentido antes que agora se perdeu? Qual o meu propósito com isso? O que posso mudar agora? Ou que eu preciso me organizar melhor para mudar? E assim por diante. A frustração não precisa - e não deve - levar ao sentimento de culpa ou de raiva.
Então resumindo, compreender que a frustração é normal, ainda mais nesse momento e entender que ela pode ser um ótimo combustível para eventuais mudanças.
Você pode nos dar algumas dicas ou passos importantes que podem amenizar toda esse turbilhão de pensamentos e sentimentos que estamos vivendo agora (ansiedade, medo, pânico, convivência com você mesmo, solidão, etc)?
É importante reforçar que cada um tem uma forma singular de lidar com tudo que está acontecendo. Por isso se sentir necessidade não hesite em buscar um suporte profissional. Mas deixo aqui algumas atividades que podem ajudar.
1- Respirar, tirar alguns minutinhos dos dia para fazer uma respiração profunda, é uma ótima oportunidade de entrar em contato consigo e lembrar que ainda pulsa vida dentro de cada um.
2 - Fazer algum exercício, já estamos em uma situação que estamos mais contraídos, dentro de casa, mais reclusos, então movimentar o corpo de alguma maneira, fazer com que ele se expanda dentro de seus novos limites é importante. Seja uma yoga, um alongamento, uma aula de dança, o exercício que for viável (dentro de casa!).
3 - Realizar encontros virtuais com amigos e família também pode ajudar bastante, é uma ótima forma de descontração e também de compartilhar as angústias desse momento e perceber que não estamos sozinhos.
4 - Buscar organizar uma rotina diária de afazeres também pode ser interessante, não precisa ser nada muito rígido, apenas algo para dar um contorno ao dia. Então definir um horário de trabalho, horário de lazer, de estudos. E se não conseguir cumprir, está tudo bem também, porque a maior dica que tenho diante disso tudo é "se ouça". Ouça o que o seu corpo está te dizendo quando senti muito sono no meio da tarde, ou quando a ansiedade bate pesada e quando a concentração vai lá embaixo. Não se cobre tanto nesse período, você e o resto do mundo está tentando entender como essa dinâmica funciona, está tudo bem ficar perdido e dar uma travada. Aos poucos vamos pegando o jeito.
Como você tem se sentido nesta quarentena? É muito importante reconhecer nossos sentimentos e, se precisar de ajuda, procurar um profissional capacitado que possa te ajudar neste momento. Estamos juntos nessa.
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