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Entrevista: Maria Clara de Assis explora o íntimo em "Serei a Poetisa"

"Para fazer um samba com beleza, é preciso um bocado com tristeza", disse Vinicius De Moraes na letra de "Samba da Benção". Mas podemos dizer que para fazer uma poesia com beleza, também é preciso flertar com a tristeza. Pelo menos, para a nossa entrevista de hoje, sim, a poetisa Maria Clara de Assis (@madeassis no Instagram).


Capa do livro "Serei a Poetisa", de Maria Clara Assis, lançado pela Editora Viéis.
Capa do livro "Serei a Poetisa"

Mulher, bissexual e escritora, Maria Clara colocou os sonhos, livros e poemas na bagagem e se mudou de Brasília para São Paulo, onde vive atualmente. Em 2021, teve a coragem necessária para entregar ao mundo os seus textos e lançou seu primeiro livro, o "Serei a Poetisa", pela editora Viés.


Criativo desde o nome e a capa, que fazem alusão a uma sereia e o universo do fundo do mar, o livro é, na verdade, um grande mergulho da autora em seu próprio mundo, promovendo descobertas, autoaceitação e amor. Em tom autobiográfico, o livro reúne poemas e textos poéticos sobre paixão, luta, resistência, corações partidos e recomeços. Podem ser lidos de maneira independente, mas ler na ordem indicada no livro, claro, garante uma experiência mais rica.


"Ao cair pela primeira vez nos encantos de uma sereia, uma mulher descobre carregar, dentro de si, as mesmas virtudes pelas quais jurou se apaixonar, se armando de versos para explorar as profundezas de seu mundo", diz a sinopse do livro, que já está disponível para venda no site da Livraria Fantástica do Borges.


Apaixonada por leitura desde a infância, Maria Clara revela que lê desde romances contemporâneos até histórias em quadrinhos no dia a dia, passando pelos poetas Ana Cristina César, Elizabeth Bishop e Fernando Pessoa. Mesmo lendo bastante, sentia falta da representatividade LGBTQIA+ na literatura, o que vem mudando nos últimos anos com o lançamento de livros como o de Maria Clara! Por meio de seus poemas, cheios de polissemia, as palavras podem ganhar diferentes significados de acordo com cada leitor.


Em entrevista exclusiva ao Telas Por Elas, Maria Clara fala sobre o lançamento do livro de estreia, "Serei a Poetisa", o processo criativo para escrever seus textos, representatividade bissexual na literatura e dilemas próprios, tão particulares ao mesmo tempo que também podem ser parecido ao de outros jovens e outras mulheres.

Maria Clara de Assis, autora do livro "Serei a Poetisa" │ Foto: Divugação
Maria Clara de Assis │ Foto: Divugação

Confira a entrevista completa:


"Serei a Poetisa" é sua obra de estreia e bem biográfica, na qual o leitor pode te ler como autora, mas também como personagem. Como você chegou a esse produto final?


Foi bem natural para mim que a obra adquirisse um tom autobiográfico, escrevo sobre temas que me tocam na intenção de emocionar os outros, consequentemente, a minha dor acaba sendo um pouco do eu-lírico e creio que não haja nada mais autoral que isso. Mas nem todas as palavras dizem respeito a mim e minhas vivências, a grande maravilha de ser poeta é ser compromissado com sentimentos, não fatos, e esse misto entre a verdade e o poético nos escritos eu abordo em poemas do próprio livro, como em “Poetisa” no qual escrevo em uma das estrofes:


“Ela é autobiografia

mas de tanto atuar

acaba sendo fantasia”


Então por mais que me leiam, a ambivalência entre quem eu sou e o que escrevo foi construindo o livro de forma a tensionar a relação entre os dois mundos, revelando a mim mesma por meio de sentimentos que são meus, mas, ao mesmo tempo, escondendo quem eu sou por meio de imagens ficcionais que fui inventando.


Conta mais sobre o processo criativo dos poemas e o processo de curadoria do livro.


Sempre ando com uma caneta na bolsa e escrevo pequenas anotações ao longo dia, pode ser sobre uma conversa que tive com uma amiga, uma cena que presenciei, uma palavra nova que aprendi, um par de versos que surgiram na minha cabeça ou uma sensação como cheiro, toque, gosto ou imagem que tenha me emocionado.


Mas quando chega a noite, sento na minha mesa e realmente trabalho para transformar pequenas notas em poemas, é aí que me esforço para usar todo tipo de recurso e figura para deixar mais expressivo e expandir aquela ideia inicial, é quando me preocupo com a sonoridade e vou declamando em voz alta, percebendo onde cabe uma rima e que sílaba ficou de fora, vou brincando de buscar palavras que tenham o mesmo sentido e uma forma mais bonita.


Quanto a curadoria, fui encaixando meus poemas como um quebra-cabeça até enxergar o todo, para preencher lacunas e emendar as partes eu fui criando poemas pensados para a própria história do livro, sempre de forma a garantir a independência e linearidade simultânea.


Imagino que deve ser difícil responder essa pergunta, mas você possui um poema favorito dentre os que estão no livro? Qual?


Realmente, é extremamente difícil para mim escolher entre uma das minhas próprias criações que tenho tanto carinho, ainda mais quando todos formam um livro que como obra completa, é muito especial. Existem alguns, como “Poetisa” que citei antes e fala sobre o próprio fazer poético que é meu tema favorito e outros que eu utilizo mais recursos estéticos que gosto muito, mas acho que hoje vou escolher, não o favorito, mas o que reflete da forma mais sincera um pouco do que penso sobre o amor, chamado “Ode aos utilitaristas”:


gosto de quem entende a necessidade

de ficar olhando para o teto

gosto de quem quer olhar para o mesmo

teto que eu que estou olhando


eu só entendo a função do amor

quando a gente brinca de luta de polegares

no momento no qual você se rende mesmo sabendo

que um golpe seria o suficiente para me derrubar


não há nada mais prático que um orgasmo

repare nas gotas de suor pingando no chão

na respiração ofegante e no modo

como ele durou cerca de um acorde


dentre as maiores utilidades estão

esquecer que o Sol é a única estrela me iluminando

contar os fios de seus cabelos negros

e um poema sem rima e sem sentido

Maria Clara de Assis, autora do livro "Serei a Poetisa", lançado pela Editora Viéis
Maria Clara de Assis │ Foto: Reprodução

Mulher, bissexual, poeta e migrante... A escrita te permitiu maior autoconhecimento? Como?


Com certeza, a própria escrita de poemas é algo que envolve bastante autoconhecimento na medida em que ela exige um olhar mais apurado para dentro de si para que se possa traduzir um pouco dos sentimentos em palavras de uma forma mais expressiva. Antes de fazer poemas para mostrar aos outros, fiz poemas para mim mesma.


Na primeira vez que senti algo diferente despontar em mim por uma garota, foi muito difícil admitir para mim mesma que aquilo era real, quando todos sempre tentam convencer de que é “uma admiração mais forte” ou “uma amizade especial”, escrever e perceber que todas as palavras estavam envoltas por amor, tranquilizou-me por ir desfazendo aos poucos a minha confusão.


Também tinha muita dificuldade em me abrir na terapia, que comecei a fazer quando me mudei de Brasília para São Paulo e tive bastante dificuldade para me adaptar, hoje em dia eu levo poemas para minha psicóloga e os destrinchamos durante as sessões. Escrever me permitiu entrar em um constante diálogo com o meu mundo.


Tirar seus poemas do armário exigiram coragem. O que te motivou a publicá-los?


O que me motivou e continua me motivando, é esse sentimento de missão que tenho, é como se escrever fosse um chamado e uma escolha. Cresci lendo todo tipo de livro, sempre fui uma devoradora de ficção e, mesmo assim, a quantidade de livros que conversassem com a minha realidade de mulher e bissexual eram poucos. Hoje, vejo que houve um pequeno despertar para isso, nos últimos dois anos leio romances voltados para adolescentes com mais representatividade do que eu via quando eu estava entrando nessa fase, com 13 ou 14, muitas palavras que leio agora, gostaria de ter lido nessa idade e sei que estão ajudando muitas meninas.


Sinto que o que me motiva é trazer um pouco dessa representatividade da qual senti tanta falta, mas por meio da poesia, um gênero literário que sinto ter um potencial de identificação ainda maior, creio que os versos trabalhem para se encaixar no leitor fazendo com que ele relacione-os com os episódios de sua vida, mesmo sendo completamente distintos de outros leitores. A polissemia corre solta e o que me motiva é saber que meus versos podem se encaixar com alguém e abraçar essa pessoa.


Apaixonada por leitura desde criança, quais são suas referências? Qual livro não pode sair da sua cabeceira?


Nunca me prendi a um gênero só, leio um pouco de tudo, romances contemporâneos, biografias, histórias em quadrinhos, clássicos brasileiros, livros young adult, não-ficção, contos, crônicas e minhas referências não são necessariamente do mundo escrito, consumo bastante bastante música, principalmente rock e MPB, e aprecio muito as artes visuais, desde grafites nas ruas até obras de museus.


Toda essa mistura acaba se somando à minha criação e me influenciando um pouco, mas são os poetas que acabam sempre marcando presença na minha cabeceira. Entre eles, Fernando Pessoa e as suas múltiplas personalidades com quem gosto muito de conversar antes de dormir, a incrível Ana Cristina César que às vezes me faz perder o sono de tanto pensar nos seus versos e as estrangeiras Emily Dickinson e Elizabeth Bishop. Mas ultimamente, um livro que não sai de perto de mim é o calhamaço Nova reunião: 23 livros de poesia do Carlos Drummond de Andrade.


Agora que os seus textos são do mundo, como tem sido receber o feedback dos leitores?


Desde quando comecei a escrever no Wattpad, ou até mesmo antes quando só mostrava os poemas para minhas amigas, receber feedbacks do que eu escrevo sempre foi muito bom, tanto para me incentivar a continuar escrevendo, tanto pela surpresa que é perceber que aquele trecho que antes eu nem dava tanta importância quanto a outros, acabou tocando muito alguém ou fez com que ela relacionasse a outra experiência que tivesse passado.


Uma das coisas que mais encheu meu coração de alegria, foi quando eu mostrei o meu livro, já completo, para uma querida professora minha que me deu a honra de escrever a quarta capa do livro, ao ler as palavras que saíram delas em decorrência das minhas, chorei tudo que eu já não tinha chorado.


Creio que o poema só é mesmo finalizado depois que é lido por alguém, somos poeta, poema e leitor e é preciso desses três elementos para se chegar a poesia do momento que é esse choque de mundos e ideias, por isso a cada feedback, eu sinto o livro se tornar menos o sonho que eu tinha e mais a realidade de que isso está acontecendo e que eu sou mesmo a poetisa.


SERVIÇO - Livro "Serei a Poetisa"

Editora: Viés

Quanto: R$ 35,00

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