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Crítica: "Hold the Girl" de Rina Sawayama é recheado de confissões

Hold The Girl finalmente chegou aos streamings de música nesta sexta-feira (16). Depois de ser adiado uma vez, e ser seguido por uma revelação de capa que achei bastante feiosa, o segundo álbum de Rina Sawayama estreou para provar que sempre foi talento, nunca foi sorte. Com os singles This Hell, Catch Me In The Air, Hold The Girl, Phantom e Hurricanes, o CD já mostra de cara que a variedade de gêneros musicais do SAWAYAMA (2020) segue na carreira de Rina ao passar por country, garage e indie.

Hold The Girl abre com Minor Feelings, uma música que começa “pequena”, mas cresce com poder do jeito que Rina sabe muito bem orquestrar com sua voz. A letra é bem honesta e, segundo Rina, é sobre como nossas experiências são resultado do conjunto raça+idade+sexualidade. Não tem como não se emocionar com ela, especialmente no verso final: “todos esses sentimentos pequenos estão me afetando majoritariamente agora” (all these minor feelings are majorly getting to me now).


Hold The Girl foi o primeiro single do álbum e, para ser honesta, eu não gostei muito dele à primeira ouvida. Contudo, no conjunto da obra ele ficou bem encaixado e não demorou muito para eu aceitar o refrão “longo” acima da média. De fato, o brilho da música está no final, quando ganha uma sonoridade mais gospel com um coro que combina com a mensagem de você ouvir sua criança interior.

This Hell é meu single preferido do CD. Rina critica com bom humor as mensagens de ódio que LGBTs recebem sobre serem “fadados ao inferno” por sua sexualidade, o que lembra bastante sua postura cínica em STFU, por exemplo. O refrão é pegajoso da forma que eu esperava que todos os singles do Hold The Girl fossem (spoiler: eles não são) e recheado de referências pop, tipo o “that’s hot” da Paris Hilton. O clipe é subversivo do jeito que gostamos (alô, poliamor) e faz uma homenagem legal ao country, com um solo de guitarra de qualidade mais ao final da faixa.

Catch Me In The Air desce do hype de This Hell com uma música que não é nem de longe a mais lenta e reflexiva do álbum, mas que demanda mais carinho e atenção por abordar a vivência de mães solo e suas filhas. Rina chegou a cantar essa faixa durante seus shows da turnê do SAWAYAMA, mas eu não prestei muita atenção na época. Agora reconheço seu valor, mas vale questionar: seria esse um single bom?


A verdade é que o momento emotivo de Catch Me In The Air se estende pela faixa seguinte também. Forgiveness é uma abordagem crua e realista sobre o perdão com um instrumental mais básico — não temos aqui crescendos nem pontes mirabolantes, como Rina gosta de investir quando quer causar. Ela não exatamente inventa a roda nessa música, mas sinto que é uma daquelas que vale ouvir bebendo um vinho quando você está para baixo.

Holy (Til You Let Me Go) traz inspirações bíblicas óbvias para seu título. Iniciando com sinos de igreja, Rina resgata sua experiência num colégio católico só para garotas para questionar, num dance-pop gostosinho e com sussurros esporádicos de efeito, se ela só é merecedora do amor de Deus contanto que se mantenha “pura”.


Your Age é a boa e velha Rina revoltada batendo cabeça com riffs de guitarra e gritando ao microfone — e eu amo isso. Ela explorou ainda mais o indie, garage e country nessa faixa porque a melodia começa com um banjo do nada, e isso pode parecer estranho, mas funciona.

Imagining é a maior homenagem da Rina neste álbum ao UK garage e segue bem o momentum dançante/irado criado por Your Age. A letra sobre gaslighting nem parece tão pesada quando se considera o refrão mais animado que dá vontade de cantar junto.


Frankenstein também entra na categoria de músicas sérias demais que se tornam divertidas e interessantes com um rock na veia, assim como Hurricanes. Esta fala sobre autossabotagem com um tom otimista da luta de encontrar a luz em meio ao caos. A bateria é a estrela da faixa, da qual Rina diz se orgulhar muito — e talvez seja por isso que ela tenha sido o último single do CD.

Send My Love To John faz uma pausa nas músicas caóticas para entregar uma emoção mais lenta com um violão sentimental. Rina é bem direta nessa composição, cantando do ponto de vista de uma mãe religiosa que pede desculpas ao filho gay após condená-lo por sua sexualidade.


Phantom traz ainda mais emoção ao abordar a conclusão de que nós devemos curar nossa criança interior para, só então, melhorarmos como adultos. O instrumental de guitarra dá uma animada que guia os vocais de Rina numa melodia nem tão calma ou dançante. To Be Alive fecha o álbum com um tom surpreendentemente otimista — depois de tanta sofrência, finalmente os refrescos vieram aí —, o que deixa uma impressão final boa do Hold The Girl.

Abraçando a menina interior


É inevitável comparar o Hold The Girl com SAWAYAMA, afinal, Rina ainda é uma artista relativamente recente e com “poucos” trabalhos, por assim dizer. Uma desvantagem do Hold The Girl em relação ao seu antecessor é que as músicas, quando escutadas sozinhas, podem soar bem “apagadas”, enquanto que o SAWAYAMA tem uma seleção bem forte e chamativa, com gêneros mais populares e dançantes. Contudo, ao ver o tracklist do Hold The Girl, é fácil perceber que a escolha de singles (que não me animaram tanto) não poderia ser muito diferente.


Hold The Girl é uma jornada pelos sentimentos de Rina, em sua essência. Conhecer a história por trás de cada faixa e saber inglês ajuda a curtir a experiência que o álbum oferece, mas os vocais emotivos dela também expressam bastante sensibilidade, o que é um ponto forte da Rina. Gosto que ela costuma explicar tudo por trás do processo de composição e inspiração das faixas. Algumas pessoas podem achar isso pretensioso, mas eu encaro isso mais como ela sendo transparente, porque permite entender o sentido da ordem de faixas, e a escolha de abertura e encerramento.


Você quer conhecer Rina Sawayama? Então é só ouvir as músicas do Hold The Girl porque ele traduz sua identidade. Também há suas típicas críticas aqui e ali, pois isso também faz parte dela — afinal de contas, estamos falando de uma mulher que estudou Política, Psicologia e Sociologia em Cambridge. Ela é uma militante, e sempre será.



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