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Crítica: documentário de Demi Lovato trouxe todos os segredos que esperávamos?

Na última terça-feira (23), Demi Lovato, artista de apenas 28 anos, estreou seu terceiro documentário: "Dancing With The Devil" - carinhosamente apelidado pelos fãs de #DWTD. No lançamento, exclusivo do Youtube, com acesso gratuito, foram liberados os dois primeiros episódios, cada um com cerca de 20 minutos. No total, serão quatro capítulos - o terceiro está previsto para ser lançado na próxima quinta, 30/3, às 16h. O documentário, além de contar a versão de Lovato sobre os últimos acontecimentos de sua vida, serve também como porta para introduzir a nova era musical da cantora.


Uma das faixas que carrega o título de seu mais novo álbum, "Dancing With The Devil: The Art of Staring Over" - previsto para ser lançado na integra em 2/4 - chegou às plataformas de streaming nas primeiras horas de sexta (26). Além da própria gravação de estúdio, os fãs puderam conferir uma apresentação exclusiva da cantora, realizada no dia do lançamento do documentário para um público seleto, no festival SXSW 2021, em 18 de março. Além de "Dancing With The Devil", Demi também cantou a já conhecida "Anyone", porém, essa apresentação ficou disponível para os fãs ao mesmo tempo em que o documentário estreou.


Confira a primeira performance ao vivo de "Dancing With The Devil":

Dirigido por Michael D. Ratner, o documentário estava sendo filmado desde 2018, pouco antes da overdose quase fatal de Demi. A ideia inicial era mostrar os bastidores de sua turnê "Tell Me You Love Me" - álbum igualmente introduzido por um documentário, que carrega o nome de "Simply Complicated" (2017). Porém, após o incidente, em 24 de julho de 2018, as gravações foram pausadas. Em 2020, a cantora, junto de sua equipe, decidiu reformular a proposta, a fim de falar sobre sua experiência de quase morte, o uso de outras drogas mais pesadas e, principalmente, como foi o que Lovato chama de seu "renascimento".


Como todo conteúdo é pouco para os fãs, a direção resolveu também divulgar pílulas gravadas por Demi, durante a filmagem do documentário. A ideia era trocar com a equipe o que ela estava sentindo naquele determinado dia, para ajudar em todo o processo de criação. O resultado ficou tão legal, que eles resolveram divulgá-las em pequenos vídeos, exclusivos para assinantes do Youtube Premium - afinal, nada é 100% de graça nesse mundo, né? Dentre os temas que são abordados pela cantora está o aniversário de dois anos de sua overdose, o término de seu polêmico noivado e o dia em que o trailer de seu documentário foi lançado mundialmente.


É óbvio afirmar que os episódios oficiais do documentário trazem revelações e informações que podem chocar e serem, sim, gatilhos para muitas pessoas. Mas a dúvida que muitos espectadores ficaram é se "Dancing With The Devil" vai realmente entregar tudo o que esperávamos, após anos sem pronunciamentos detalhados de Demi sobre o ocorrido. Confira nossa opinião desses dois primeiros capítulos!

Temas importantes entram em cena


Qualquer trabalho testemunhal que Demi se proponha a fazer, você pode esperar temas super relevantes, pouco abordados por outras celebridades - pelo menos com tamanha honestidade. A artista não parece esconder nada e não tem medo de soar contraditória (o que acontece bastante, como vamos ver depois). Mas engana-se quem pensa que "Dancing With The Devil" será apenas sobre a recaída no mundo das drogas. Apesar da mais nova faixa se referir especialmente ao acontecimento ("It's just a little white line, I'll be fine / But soon that little white line is a little glass pipe"), o filme é sobre muito, muito, mais do que isso. E, mesmo se fosse, já seria material de sobra para trazer discussões sérias sobre vícios e armadilhas.


Além de voltar a usar antigas drogas - principalmente cocaína, álcool e Xanax -, Lovato foi uma fase além, experimentando novas substâncias. Dessas, as mais usadas foram crack e heroína. Para seus amigos, Demi apenas tinha tomado a decisão consciente de voltar a beber socialmente (atitude que a cantora mantém até hoje, apesar de não ser uma prática relativamente aceita por todas as pessoas que enfrentam o vício em drogas). Porém, às escondidas, a artista se viciava em algumas das substâncias mais letais.


Mas, como já disse, essa é apenas uma página de um livro complexo. Logo no primeiro episódio, Demi revela como foi a morte de seu pai biológico. Na época, a cantora anunciou seu falecimento e, apesar de não serem próximos, demonstrou sofrer bastante com a perda. Assim como ela, seu pai era viciado em drogas, porém, também foi diagnosticado com bipolaridade esquizofrênica. A grande questão, revelada no documentário, é que o pai de Demi morreu sozinho. Seu corpo foi achado em decomposição, dias depois, por causa do cheiro. Inclusive, durante o Dia dos Pais, nos Estados Unidos, ele já havia falecido, porém ninguém sabia.


Essa nova informação faz perfeito sentido com o que os fãs observavam de fora. A culpa, de não poder ter ajudado seu pai, corroeu a cantora por dentro e, aparentemente, foi um dos grandes motivos que fizeram com que ela voltasse às drogas, anos mais tarde. Mas, apesar de definitivamente ser um acontecimento marcante, com muita dor, parece ser algo já digerido por Demi atualmente. A artista afirma, em coro com sua mãe, Dianna de La Garza, que Patrick não queria ajuda e o primeiro passo para recuperação é admitir que você precisa do apoio dos outros.


Como se não bastasse, Demi também revela sobre a violência sexual que sofreu, na noite da overdose, pelo seu traficante. Esse momento é outro de destaque, não só por ser uma informação inédita ao público até poucas semanas do lançamento do documentário, mas por trazer a reflexão que a artista teve antes de perceber que tinha sido, de fato, estuprada. Inicialmente, perguntam no hospital se ela fez sexo consensual, ao que Lovato responde que sim - após ter uma rápida lembrança do homem em cima dela. Aos poucos ela percebe que, se não estava consciente o bastante para se lembrar, com certeza não estava para consentir com o ato - o que se classifica como estupro.


Parece que a temática de violência sexual irá retornar nos próximos episódios, já que Demi aponta que não foi o primeiro trauma que passou e durante entrevistas para divulgar o projeto afirmou que sua primeira vez também foi um estupro. Além de ajudar pessoas que lidam com transtornos mentais e abusos de substâncias, Lovato também consegue se apresentar como uma figura importante no movimento contra à violência sexual. Para o diretor, o grande propósito de expor toda a história era alertar as pessoas e incentivar vítimas a buscarem ajuda, como disse em entrevista:

Quero encorajar as pessoas a falarem, a pedirem ajuda, a perceberem que não estão sozinhos em sua jornada. Você não é definido pelos seus momentos ruins. E esse documentário não é sobre falar como alguém deve viver a vida e certamente não é sobre Demi tentar posar de modelo para nada. Ela já tentou fazer isso em um momento de sua vida e a pressão foi demais para ela. - Michael D. Ratner, 24 de março, para Entertainment Weekly

Mesma narrativa de anos atrás...


Lembra quando falamos que Demi pode soar contraditória em alguns momentos? Pois bem. Ao passo que o documentário traz muitas novidades sobre a cantora, experiências novas e segredos não revelados - início e fim do noivado, mudança radical no cabelo, Demi mais aberta sobre sua pansexualidade... - é inevitável pensar que a narrativa é muito familiar para quem vêm acompanhando Demi na última década.


Quem assistiu aos dois primeiros documentários da cantora vai entender o que quero dizer. Em "Staying Strong" (2013), Lovato fala sobre como superou as drogas, os transtornos alimentares e a automutilação. Afirma que nunca esteve tão feliz e liberta. Já em "Simply Complicated", Demi se desmente e confessa, inclusive, que estava sob a influência de cocaína na gravação do documentário. Porém, agora estava seis anos sóbria e realmente nunca esteve tão próxima de sua real identidade, tão feliz e liberta... No ano seguinte do segundo filme, acontece a recaída e, meses depois, a overdose que quase mata Demi. Atualmente sabemos que Lovato estava sob uma fiscalização rígida de sua equipe, que a proibia de comer e socializar demais, com medo de possíveis relapsos.


Em "Dancing With The Devil", ela fala sobre como alcançou um avanço espiritual inédito em sua vida e como agora, realmente, está livre de seus demônios. É claro que recaídas fazem parte de todo e qualquer processo de cura e também é evidente que Lovato realmente parece acreditar no que afirma - pelo menos no segundo e terceiro documentário. Além disso, sei que uma experiência quase morte (apesar de ser viciada em álcool e cocaína, foi a primeira vez em que Demi chegou nesse ponto) pode, sim, mudar a vida de alguém. Mas, na minha opinião, não sei se isso foi mostrado de forma original em DWTD.


Tudo bem, é algo subjetivo. Afinal, como alguém prova, por meio de vídeos e imagens, que seu sentimento é diferente dessa vez? Mas a verdade é que tudo é muito parecido. As falas, as imagens, as morais levantadas. Para completar meu combo de desconfiança, muitas pessoas não apoiam a decisão de Demi beber ocasionalmente, desde que não use drogas pesadas. Elton John, inclusive, aparece no documentário para oferecer seu ponto de vista, como sobrevivente do vício às drogas. Também, a cantora afirmou em entrevista que não acredita mais em seu diagnostico de bipolaridade, tratando apenas seu Transtorno de Defícit de Atenção e Hiperatividade.


Ao passo que é interessante como Demi não se propõe a trazer uma verdade universal, apenas falar o que dá certo para ela - o que é reafirmado ao longo do documentário, que também monstra com frequência alerta de gatilhos e números de telefones para pedir ajuda - o que foi mostrado nos dois primeiros episódios ainda não foi suficiente para me convencer que a narrativa que vemos agora é diferente das que já estávamos acompanhando.


Para completar meus pontos negativos de DWTD, não sei se a divisão em capítulos foi a mais benéfica para o documentário, principalmente levando em conta que o trailer oficial já trazia diversas informações inéditas, que seriam base de todo decorrer da produção. Parece que chegamos nos episódios já sabendo quase tudo o que ela tem para nos falar e, além disso, o fato de serem capítulos faz com que seja preciso uma narração coerente - início, meio e fim - em cada um e não sei DWTD dá conta de entregar isso. Até agora, para mim, um filme conseguiria trazer uma história mais completa, sem tanto enrolo.


Ao fim, o tempo total do documentário será o mesmo, tanto em episódios quanto em longa. Entretanto, pela necessidade de uma linha de raciocínio para cada um dos capítulos, sinto que há uma demora para chegar em fatos importantes. Por exemplo, o neurologista responsável por tratar de Demi tem um tempo longo de tela e, ainda por cima, imagens de sua tomografia fazem parte do enredo... Um pouco demais, sabe?


Mas só vamos poder dizer, com propriedade, sobre o resultado final quando os quatro capítulos estiverem no ar. Tudo indica que o último sairá no início de abril, próximo ao lançamento do álbum. Enquanto isso, você pode assistir ao primeiro episódio e segundo episódio de Dancing With The Devil, "Losing Control" e "5 Minutes from Death", no canal do Youtube de Demi Lovato.



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