Crítica: o aconchego em “Enquanto Estamos Distantes”, novo EP de As Bahias e a Cozinha Mineira
O power-trio As Bahias e A Cozinha Mineira está de volta com o EP “Enquanto Estamos Distantes”. Gravado inteiramente durante a quarentena, o novo trabalho de Assucena Assucena, Rafael Acerbi e Raquel Virginia traz o aconchego necessário para o período de isolamento causado pelo novo coronavírus.
Com cinco faixas inéditas, o EP traz canções autorais dos três integrantes. Foi todo gravado por cada um em suas casas e produzido por Rafael Acerbi, que comandou esse trabalho remoto. Na verdade, o disco, lançado no dia 27 de maio pela Universal Music, marca a estreia do guitarrista mineiro como produtor musical.
“Enquanto Estamos Distantes” confirma o flerte com um som mais POP presente em “Tarântula” (2019), terceiro e último disco lançado pelo trio que foi bem avaliado pelo público e crítica. Funciona como uma ponte para o quarto álbum deles, que promete ser a maior produção da carreira e já teve os trabalhos iniciados, mas que foram interrompidos devido à pandemia.
O que diferencia os álbuns já lançados é a curadoria das faixas. Elas são mais leves, delicadas, introspectivas e melancólicas, o que reflete o momento vivido. O amor, assim como as incursões eletrônicas na melodia, também está presente e conecta todo o álbum.
“Enquantos Estamos Distantes” é o afago que abraça em tempos difíceis, com mensagens de conforto e de empatia. Cada um pode se ver refletido nas composições. Elas falam desde lembranças de um amor passado ou do crush atual que não podemos abraçar pela distância, até a saudade de encontrar amigos ou fazer coisas simples que não podem ser realizadas por questões sanitárias.
A identidade visual do EP dialoga com o conforto proposto pela sonoridade do projeto. Ela foi totalmente idealizada pela artista trans Patrick Ringon, que desenhou a capa da produção e fez mais 14 ilustrações.
“Enquanto Estamos Sozinhos” é mais um trabalho bem elaborado do trio que se encontrou na faculdade de História da USP após desencontros da vida em 2011. Formado por duas mulheres trans nos vocais e um homem cis nos vocais e na guitarra, vem chamando atenção desde o primeiro lançamento em 2015, trazendo frescor a MPB, canto rasgado e letras fortes que retratam a vivência LGBT, sobretudo, dos desafios de ser trans no Brasil.
Confira abaixo a análise de cada faixa:
Éramos Chuva
Composição: Amanda Coronha, Bibi, Barbara Dias, Rafael Acerbi
É a primeira e a melhor canção do disco ao trazer memórias afetivas de um grande amor. Não é atoa que “Éramos Chuva” foi eleita como carro-chefe do trabalho e ganhou um videoclipe gravado de casa pelo trio e diversos convidados, como Tais Araújo, Débora Nascimento, Lea T, Thelma Assis, entre outros. Tem pegada pop e guitarra marcante.
“Éramos chuva, não somos mais
Minha alma seca sem os teus sinais
Quero os teus ventos teus temporais
Pergunte ao tempo se ele volta atrás”
Forasteira
Composição: Rafael Acerbi
Nesta faixa as incursões eletrônicas ganham ainda mais destaque que nas demais canções. “Forasteira” tem um ar retrô, a voz dos três em total harmonia e um refrão chiclete. Já a letra é quase uma conversa de um casal prestes a se render ao desejo.
“E nas cartas joguei um tarô
Apostei meu amor numa dose
Revirei meu baú de acordes até te encontrar”
Mama
Composição: Assucena Assucena
“Mama” flerta e entra dentro da música reggae. Quem acompanha o trio sabe que não é a primeira vez que eles se jogam em outros gêneros, como o baião e o samba. É a faixa mais divertida ao mesmo tempo que apresenta reflexões filosóficas sobre nascer, viver e amar.
“Se o princípio do início é criar, pois criemos o amor
E na fé de abraçar espantar o terror
Inventando comigo a esperança, eis a luz”
Eu Sei Que Você Gosta de Brincar de Amores
Composição: Raquel Virgínia
Com direito a citação à Ivete Sangalo, de quem Raquel Virgínia é declarada fã incondicional, é a música mais romântica do trabalho. “Eu Sei Que Você Gosta de Brincar de Amores” faz a gente ter vontade de pegar o telefone e ligar para a pessoa amada assim que acordar. É a faixa mais melancólica do disco, no melhor sentido da palavra, e devolve ao disco o ar mais confortante da primeira música do EP.
“Risadas, mensagens descabidas, madrugada
Brincar de ouvir tua voz no telefone e te imaginar mais perto
Deitada no colo mais gostoso desse mundo
Nem sei se é só imaginação, mas quero ter você sempre comigo”
Nosso Apartamento
Composição: Raquel Virgínia
“Nosso Apartamento” é o escape baladeiro do disco e encerra o trabalho, assim como começou, em alto nível. A letra é sensual e nos leva a uma viagem deliciosamente viciante a uma pista de dança. É o momento de fritar na balada que, por enquanto, pode ser na sala de casa. Pegue um vinho e se jogue!
“Olhei pra você e lembrei daqueles beijos
No nosso apartamento
Eu chupava teu queixo
A tua mão apertava meus seios
Bagunçava meu cabelo”
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