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Crítica: Sol da Meia-Noite é tudo o que as fãs de Crepúsculo queriam

Sol da Meia-Noite finalmente está entre nós. 12 anos se passaram desde o vazamento do manuscrito na Internet e a traumatizante declaração de Stephenie Meyer de que abandonaria o projeto. Como crepusculete/twilighter/chame-o-que-quiser, eu realmente achei que 2008 trouxera o fim de Crepúsculo na visão de Edward — afinal, eu estou esperando pela continuação de A Hospedeira (2008) há mais de dez anos.


Então essa é uma das poucas vezes em que vou agradecer por estar errada, porque eu estou com Sol da Meia-Noite em mãos e tenho que dizer que a leitura é exatamente o que eu esperava mais de uma década atrás, quando li o rascunho vazado no fórum de uma comunidade aleatória do Orkut. E eu te explico ponto a ponto nessa crítica por que a leitura desse livro é indispensável para os fãs de carteirinha de Crepúsculo como eu.

Esta crítica contém spoilers!! Mas é aquela coisa: o livro e o filme têm mais de 12 anos de lançamento, então qualquer revelação aqui é tão nova quanto Darth Vader ser pai de Luke Skywalker ¯\_(ツ)_/¯


O novo Crepúsculo


Em entrevista ao The New York Times, quando questionada o motivo para publicar Sol da Meia-Noite agora, Stephenie Meyer simplesmente respondeu: “Porque eu terminei de escrever”. Simples, né? É certo que um mutirão de fãs de Crepúsculo passaram os últimos dez anos impacientes, aguardando o tão esperado livro — digo isso porque eu sou uma delas. Analisando agora com mais carinho, é fácil entender o receio e dificuldade de Meyer: no aniversário de dez anos da saga, ela lançou Vida e Morte: Crepúsculo Reimaginado (2015) como uma espécie de presente para os fãs e uma forma de se divertir com o universo que ela própria criou. Qual foi o resultado? Mil e um questionamentos que se traduziam em “onde diabos está Sol da Meia-Noite?”


Stephenie confessou ao The New York Times que a principal razão pela qual interrompeu a produção do livro foi a ideia de que alguém invadira o seu computador e estava espiando cada palavra escrita. Não me considero autora e nem em meus sonhos eu teria o cacife de Stephenie Meyer, mas garanto que odiaria a ideia de alguém ler um rascunho meu porque é tudo jogado, pouco pensado — imagina isso somado ao intenso escrutínio a que o trabalho de Meyer é submetido? Então, pois é, a demora é mais que compreensível e justificada. E agora tudo o que importa é que Sol da Meia-Noite foi finalmente publicado.


Claro que há céticos para comentar que o lançamento do livro se deve por questões puramente financeiras — e, bom, o romance vendeu 1 milhão de cópias na primeira semana na América do Norte, então Steph pode considerar sua estratégia muito bem-sucedida. Apesar disso, a construção de imagem e de agradecimento aos fãs foi bastante elaborada: o cartão-postal que acompanha o livro (falo sobre os brindes da compra mais abaixo) é assinado pela autora, que agradece pelo entusiasmo e apoio à franquia; Meyer também dedica o livro aos fãs logo na primeira página em um texto curto mas emocionante; e, por fim, a homenagem ao final da edição traz uma linha em branco em que Stephenie convida o leitor a assinar seu próprio nome após tal espera ansiosa e paciente por Sol da Meia-Noite.

Além da trama de Crepúsculo (2005) pelos olhos de Edward, Stephenie parece ter mais uns presentinhos para as fãs: ela declarou recentemente que preparou o planejamento para mais dois livros da saga, mas não revelou muitas informações. Agora só nos resta esperar que ela não vire tipo uma certa autora por aí que tuíta aleatoriedades absurdas sobre sua franquia de livros porque não sabe quando parar.


Sol da Meia-Noite: um unboxing revolucionário em texto


A pré-venda de Sol da Meia-Noite traz como brindes um cartão-postal (que, na real, é só a imagem de capa impressa em um papel grosso e uma mensagem curta assinada por Stephenie Meyer) e um pôster (desenhado pelo ilustrador Felipe Freitas, @nippx no Instagram) que ilustra a cena da campina, quando Edward mostra a Bella o que acontece quando vampiros são expostos ao sol. O verso traz uma das citações mais icônicas da saga “E então o leão se apaixonou pelo cordeiro…” (quem é fã tem a resposta da Bella na ponta da língua).


Vou usar esses brindes para algo? Não, mas o cartão-postal serviu como um ótimo marcador de páginas — e, novamente, o que conta é o retorno da saga depois de tanto tempo. A edição física segue a estrutura dos outros livros da série, com a capa negra feita em papel cartão, e miolo ivory slim, que é um papel off-white na tonalidade creme que não reflete a luminosidade e permite uma leitura bem confortável.

Falando na capa, a Saga Crepúsculo é bem conhecida pelas imagens enigmáticas que retratam simbolismos do enredo sem entregar muito de cara. No caso de Sol da Meia-Noite, a foto faz referência à mitologia grega. O romã remete à história de Perséfone, deusa das flores e frutos, que é sequestrada por Hades, deus da morte, e levada até o submundo. A deusa não deveria se alimentar durante o cativeiro, mas não resistiu à fome e comeu seis sementes de um romã.


Quando Perséfone é resgatada por sua mãe Deméter, deusa das estações do ano, Hades argumenta que ela deve alternar entre o submundo e o monte Olimpo, já que desobedeceu suas ordens. Então Perséfone passa seis meses entre os deuses, e seis meses com Hades no reino dos mortos — um mês por cada semente de romã que ela comeu.


E onde entra Sol da Meia-Noite nessa história? Edward menciona em diversas partes do livro que se sente correndo contra o tempo que tem disponível com Bella, já que ele teme pelo dia em que ela perceberá o monstro que ele é e o abandonará. Assim, Edward seria o horrendo rei do submundo, Hades, enquanto Bella assume a posição da dama inocente (supostamente) obrigada a fazê-lo companhia por um determinado prazo.


Se a capa mostra como Edward se vê no seu amor por Bella, o título do livro ilustra como Edward vê Bella em sua vida. Desde que (relutantemente) se tornara um vampiro, transformando-se em um monstro e assassinando pessoas nos seus tempos de rebeldia adolescente vampírica, Edward encarava seu cotidiano de maneira entediada e obscura. Até que Bella apareceu. Ela é o “sol”; e a vida sem graça (e pecadora) de Edward, a “meia-noite”.


Ao prever o romance futuro com Bella, Alice recomenda que Edward nem se dê ao trabalho de lutar contra o relacionamento, já que ele é tão inevitável quanto o nascer do sol. Verdade, né?


Vamos aos trabalhos: Sol da Meia-Noite é bom?

Essa não é a primeira vez que Stephenie “brinca” de contar a mesma história por perspectivas diferentes. Em Crepúsculo Reimaginado, Bella vira Beau e Edward se torna Edythe, invertendo o gênero dos personagens. O livro parece ser desnecessário, mas traz umas questões interessantes (como ambos Beau e Edythe serem muito mais bem-humorados do que Bella e Edward, que têm uma aura mais depressiva) e puxa o tapete de alguns leitores (lê-se: a pessoa que vos escreve) por mudar completamente o final de Crepúsculo.


No caso de Sol da Meia-Noite, não podemos esperar um plot twist porque a história já foi contada — por Bella. Em vez disso, o diferencial está em compreender a visão de Edward, conhecer mais sobre os Cullen no auge de sua “vampiridade” (sem serem ofuscados pela admiração de Bella) e desvendar algumas surpresinhas:


  • Ao que tudo indica, a habilidade de escudo de Bella, revelada em Amanhecer (2008), é na verdade hereditária: Edward não consegue ler claramente os pensamentos do seu pai Charlie. Ele apenas sente o “tom” das reflexões e não as decodifica em palavras de fato;

  • O sangue especialmente doce e agradável de Bella pode ter sido herdado de sua mãe Renée. Quando Edward a conhece, ele se surpreende com como seus pensamentos são “intensos”, e seu aroma chega a enjoar de tão açucarado;

  • Jacob pensa que Bella está usando um perfume ruim durante o baile, o que deixa Edward confuso. Esse pode ser o primeiro sinal das habilidades de lobisomem de Jacob, já que Bella passara o dia com Alice — e lobos acham o cheiro de vampiros extremamente desagradável;

  • Ao cogitar que Bella morreria no encontro com James, Edward considera encontrar os Volturi para cometer suicídio. Ou seja, o plano de Lua Nova (2006) já existia há muito tempo;

  • (Nada a ver com o enredo de Crepúsculo:) Alice prevê a criação da Netflix e sugere investir em empresas de streaming, o que é hilário, considerando que a história se passa em 2005.


A abordagem de Edward em Sol da Meia-Noite vai muito mais rápido ao ponto principal da trama do que a narrativa de Bella, o que é compreensível, já que toda a situação era extremamente nova para ela (a mudança de cidades, as suspeitas de vampiros, os novos amigos), então Bella consequentemente se ateve a pequenos detalhes do cotidiano que a perspectiva de Edward despreza sem perdão.


Como grande fã dos personagens coadjuvantes (sempre achei a família Cullen mais interessante do que o núcleo Bellard), acho que Steph equilibrou bem o seguimento do enredo que conhecemos em Crepúsculo à adição de cenas inéditas sobre o dia a dia de Edward. Acontecem alguns flashbacks bem convenientes para narrar acontecimentos-chave, como a adição de Emmett à família, a chegada de Alice e Jasper e o início da fraternidade entre Edward e Rosalie, e a gente sabe bem que Meyer fez isso para nos agradar — e daí? Estou satisfeita.


Além disso, a habilidade de leitura de mentes de Edward fornece alguns insights bastante curiosos sobre os outros personagens. Jasper, que aparecia tão distante e irritável (ou seria instável?) em Crepúsculo, na verdade é reservado por receio do romance do irmão com Bella ter a pior conclusão possível e terminar prejudicando Alice. Mas ele tem boas intenções: Edward nota que Jasper gosta de ficar próximo dele e de Bella por causa dos sentimentos positivos emanados pelo casal.


Uma personagem injustiçada pelo recorte da trama foi definitivamente Rosalie. Sua redenção acontece muito mais a frente em Eclipse (2007), então tanto em Crepúsculo quanto em Sol da Meia-Noite ela parece muito antipática e irritadiça para muitos. Edward revela alguns aspectos extremamente vaidosos e egoístas de Rose, mas eu passei pano mesmo, confesso.


Carlisle passou 300 anos evitando violência, e bastou Bella entrar em cena para os Cullen recorrerem ao assassinato de James. James era um monstro e merecia morrer (para que Bella vivesse)? Com certeza. Mas é só seguir o raciocínio de Rosalie para compreender sua animosidade: ela avisou desde o início que o romance entre um vampiro e uma humana não funcionaria (e isso é verdade, Bellard não tinha uma taxa de sucesso muito otimista) e teve toda sua estrutura de vida (quase) comprometida com o acidente da van…


A perseguição do rastreador foi a gota d’água para provar que Rose tinha certa razão e, sim, aquele relacionamento traria muita confusão à sua vida. (E trouxe de fato, né, porque senão não haveria mais três livros.)

Mas e Bellard?


Sol da Meia-Noite é nossa oportunidade de assistir de camarote a Edward se apaixonando por Bella e… Pois é, sua mente silenciosa foi a principal razão pela qual ela atraiu o olhar do vampiro. Em outras palavras, Edward se apaixonou por acaso por Bella, ao desenvolver o hobby de observá-la para ler suas reações e tentar prever suas atitudes (o que terminou sendo uma tarefa um pouco trabalhosa sem a vantagem da leitura de mentes).


O Edward vai notando qualidades de Bella à medida que a observa. E o que eu mais amo é que Steph não escreveu simplesmente “Edward acha Bella gentil”; ela descreve cenas em que Bella intervém pelo bem dos amigos de Forks segundo seu senso de justiça. São cenas inéditas e excluídas da narração de Bella em Crepúsculo porque, para a menina, não fazia sentido enfatizar suas próprias características — afinal, sua trama gira em torno de Edward, e vice-versa.


Enquanto o interesse de Bella por Edward parece incentivado pelo mistério, o de Edward é pela curiosidade. Edward tem um discurso cansativo de achar todas as pessoas entediantes (bom, como ser imprevisível com um cara que lê mentes??), e menciona várias vezes que “Bella não é como as outras garotas”. Eu pessoalmente achei isso bem batido, ainda mais porque Edward nunca deu chance a alguém na sua vida, então é óbvio que ele ficaria maravilhado ao se apaixonar pela primeira vez.


Essa reclamação feita, reconheço que a progressão dos sentimentos de Edward é muito interessante. Ele começa Sol da Meia-Noite extremamente confiante e conclui a história um pouco mais modesto, agora que compreende a extensão de seu afeto por Bella. Contudo, vale apontar que ele tinha uma vantagem muito especial em relação a ela: as visões de Alice.


Quando Edward está confuso quanto ao que sente pela aluna nova, Alice intervém com a previsão certeira de que eles se apaixonarão. E Bella? Como lemos em Crepúsculo, ela está simplesmente tentando descobrir se Edward realmente se interessa por ela, nem que seja só para uma amizade. Um consolo que ganhamos com Sol da Meia-Noite, pelo menos, foi finalmente entender o “morde e assopra” de Edward com Bella — e ele própria chega a reconhecer que foi babaca com ela em alguns momentos (não fez mais do que sua obrigação).


O que deve aquecer o coração das fãs é a realização de que tanto Bella quanto Edward eram “humildes” e achavam que o outro era bom demais para ficarem juntos — Bella se considerava alguém desinteressante, enquanto Edward temia constantemente pelo momento em que ela descobriria o monstro que ele (não) é. Menos, Edward, por favor, você é emo demais.


Como encarar Crepúsculo em 2020?

Eu li o primeiro livro da saga aos 11 anos de presente dos meus pais. Mais de dez anos depois, eu comprei Sol da Meia-Noite na pré-venda com o meu salário. Isso é mais do que suficiente para dizer que muita coisa mudou nesse meio tempo — não só na minha vida ou na de outras fãs, mas para Stephenie e para o mundo. Não vou mentir, a dedicatória inicial do livro sobre desejar que os leitores tenham realizado seus sonhos na última década me pegou muito.


De lá para cá, a gente amadurece, muda de opinião, erra um pouco (ou muito)... E hoje, como pessoa, eu não tenho mais paciência para parceiros românticos superprotetores e stalkers. Me irritei com o Edward algumas vezes em Sol da Meia-Noite por usar como pretexto “meteoros errantes” para vigiar Bella à noite. Achei piegas demais a ideia dele de que Bella se casaria, teria filhos e todo esse clichê heteronormativo, caso não namorasse um vampiro.


A Beatriz de 11 anos pode ter se interessado por Crepúsculo justamente por essas razões (talvez?), mas a eu de agora mantém o afeto por mil motivos mais. E finalmente compreendi que tem histórias que coincidem com meu ponto de vista, e outras que nem tanto. E é isso. Que graça teria em sempre ler e consumir mais do mesmo, sem variar meu ponto de vista? Eu aprendi o porquê de sentir, antes, vergonha de gostar de Crepúsculo e, hoje em dia, sei como transformar essas preferências em resistência. E a nostalgia de Sol da Meia-Noite caiu como uma luva para me distrair do horror lá fora.

Sol da Meia-Noite (Midnight Sun)

Autora: Stephenie Meyer

Gênero: Romance, fantasia

Publicação: Intrínseca (2020)

Páginas: 727

Preço: R$ 59,90


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