Crítica: "Sintonia" chega a outro nível na 3ª temporada
A Netflix lançou, no último dia 13, a 3ª temporada de "Sintonia". Criada e produzida por Kondzilla, a série é provavelmente a produção mais realista sobre a rotina do Brasil. Afinal, não vivemos em um condomínio da Barra da Tijuca, como em "Maldivas", nem somos cercados de figuras folclóricas como em "Cidade Invisível".
Não tirando o mérito dos outros títulos, apenas destacando que "Sintonia" tem o poder de trazer o mais bruto e, infelizmente, o mais comum da "nossa" realidade. Nossa entre aspas porque, como você já deve saber, a história se passa na Vila Áurea, uma grande favela de São Paulo.
Nos seis novos episódios, o trio de amigos Rita (Bruna Mascarenhas), Nando (Christian Malheiros) e Doni (Jottapê) alcançam outros níveis, vivendo desafios que ninguém imaginou. Se você achava que já estava complicado para eles, podemos adiantar: piora. Mas, cada um, com a sua própria questão. Por isso, nossa crítica vai ser dividida nas três narrativas principais, abordando o que está acontecendo com cada um dos protagonistas. Confira!

Nando dá um último passo no crime... Ou não?
Terminamos a 2ª temporada com Nando se tornando um dos criminosos mais procurados de todo o Brasil. Quando começam os episódios inéditos, vemos a tensão do rapaz — que, ao mesmo tempo, não se priva de viver a vida com certa liberdade, ainda que cheio de cuidado. Inclusive, a comemoração de Nando na Vila Áurea pela chegada de Enzo, o seu novo filho, já está entre uma das melhores cenas do personagem.
O chefe do tráfico, também conhecido como ND, está super feliz, leve, bebendo e cantando com os amigos. É definitivamente um Nando que nunca vimos em "Sintonia" e uma prova de que Christian Malheiros não é mesmo ator de um personagem só. Mas, também, a felicidade do personagem dura pouco. O Nando da 2ª temporada nem chega aos pés do da 3ª em nível de complexidade dos crimes. Na última parte, ele matou um policial — o que foi bem complicado, uma cena pesada e que trouxe grandes consequências. Só que agora estamos falando de assaltos a bancos e tráfico internacional.
É claro que o jovem também se vê em uma encruzilhada. Ao passo que o tráfico sustenta a sua família e dá todas as oportunidades que ele nunca teve para os seus filhos, é uma vida perigosa. "Eles vão ter de tudo", diz Nando sobre as duas crianças. "Mas eles vão ter um pai?", questiona a sua esposa, Scheyla (Julia Yamaguchi). É um diálogo super forte, mas que deixa claro a dificuldade dele simplesmente largar o crime.
Vemos também mais do passado do personagem, ainda criança, tentando levar uma vida honesta e reparando que, como um menino negro, isso não é fácil. Ou seja, cai por terra todo discurso de que ele não se esforçou ou não tentou ter uma vida fora do crime. De longe, é o núcleo mais complexo, rico de narrativa e que conecta, com maior facilidade, a vida dos outros dois amigos.

Rita escancara a hipocrisia da igreja
Rita, como sempre, continua necessária! É a personagem que ainda se mantém firme na rotina da Vila Áurea, já que Nando e Doni se mudaram. A menina também é responsável por tratar de outra vertente, base do nosso país: a religião. Para completar a salada, Rita embarca na disputa eleitoral da igreja, sendo considerada possível candidata a vereadora da congregação evangélica. Fala sério, é o puro suco do Brasil!
E com isso, é claro, ela escancara a hipocrisia e incoerências da igreja, que teoricamente defende um cara que lutou contra os opressores, ao lado dos pobres e presidiários (conhece, um tal de Jesus?). A galera crente de "Sintonia" — e, infelizmente estão longe de ser só ficção — não quer saber disso e ainda destaca o crime como do diabo, oposto a qualquer compromisso de Deus. Mas ao fazer isso, ignoram o que levou essas pessoas para essa realidade e, ainda, desviam o olhar de todas as formas que podiam atuar.
Como a personagem diz: a igreja é reabilitação e deveria aceitar todas as pessoas. Não é bem assim que a banda toca para os poderosos evangélicos. Ainda, temos a relação de Rita com Cleyton (MC M10), ex-criminoso, que trabalhava com Nando sob o nome de Formiga e se converteu na última temporada. O pessoal da igreja não curte muito o nome da "candidata" junto ao dele e deixa claro que a menina deve apagar suas origens para seguir o "caminho de Deus". Que bom que Rita é inteligente e não vai se deixar calar.

Doni ainda aprende a lidar com a fama
Todo respeito do mundo a Doni e a sua trajetória, mas, sem dúvida, ele acaba sendo o ponto mais fraco da série. O menino desde sempre tinha uma realidade diferente. Homem branco e com família estruturada — apesar da perda precoce do seu pai. Quando ele alcança sucesso, então, a vida de Doni fica ainda mais distante da Vila Áurea, apesar de nunca abandonar os amigos.
Só que nessa temporada, ele parece mais perdido do que nunca. O amor dos fãs pelas suas músicas parece ter dado uma esfriada e Doni não está sabendo lidar com isso. Faz uma série de vacilos, que colocam não só sua carreira e o seu relacionamento com Tally (Gabriela Mag) em risco, mas também a sua própria vida.
Por outro lado, um ponto interessante é que vemos que o jovem está lutando contra a ansiedade, chegando até mesmo a apresentar sintomas de pânico. Ele se recusa a procurar ajuda e quando Thally questiona por que não visita um psicólogo, ele só responde: "Não sou maluco". Acho que pode ser um caminho muito interessante para a próxima temporada — ainda não confirmada pela Netflix.
Como sempre, o trio termina a temporada juntos, enfrentando um grande problema que parece que vai permear os próximos episódios. No final da 3ª parte não foi diferente — mas a emoção e os riscos só crescem para Rita, Nando e Doni.

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