Crítica: "Fate - A Saga Winx" tem nada a ver com o desenho, mas pode agradar
Fate: A Saga Winx estreou na Netflix na última sexta-feira (23) e já deu o que falar com comparações entre a série e o desenho original, O Clube das Winx. A primeira temporada traz seis episódios e (epa!) termina com um final com gostinho de quero mais que pede por uma segunda temporada.
Enquanto não sabemos ao certo se Fate será renovada pela Netflix, a pergunta que não quer calar é: vale a pena assistir ao tal do live-action de Winx? Explicamos na resenha a seguir a história das Winx (sem spoilers!) e o que achamos de Fate: A Saga Winx.
[Essa crítica é livre de spoilers porque a série tem tanta coisa ruim que a história é o de menos.]
Começando do começo de Winx: desenho vs série
Fate: A Saga Winx não é um live action, remake nem adaptação do Clube das Winx — bom, pelo menos na minha opinião. Prefiro encarar a série como um spin-off que não tem nada a ver com a franquia pelo simples fato de que ela não tem nada a ver com o desenho. Quem não conhece Winx pode ver sem medo, já quem assistia à animação quando era criança… Err, recomendo passar longe porque esse programa não é para você.
Deixa eu primeiro te apresentar o elenco principal: temos as fadas Bloom (Abigail Cowen), Stella (Hannah van der Westhuysen), Musa (Elisha Applebaum), Aisha (Precious Mustapha) e Terra (Eliot Salt). Onde estão Tecna e Flora do desenho, você me pergunta? Não estão aqui. Por quê? Faço a mínima ideia. Mais gente deu perdido na série: as três bruxas Trix foram substituídas pela antagonista Beatrix.
Fate: A Saga Winx conta a história da Bloom, que chega a Alfea, uma escola de ensino de magia para fadas e especialistas (uns gostosos sem poderes que aparecem lutando), e faz amizade com suas companheiras de quarto Stella, Musa, Aisha e Terra. O tchan do enredo é: Bloom passou anos pensando que era humana até descobrir que é uma fada do fogo muito poderosa. Ela também dá uns pegas no Sky (um especialista galã aí) e se mete numas confusões com Beatrix, que é tipo a vilã da história. (Nada disso é spoiler. Você pega a história literalmente no primeiro episódio.)
Com a história explicada, vamos observar umas coisinhas na seleção de elenco. A Terra é irmã da Flora — isso é mencionado beeem de passagem, como se fosse um mero easter egg. Vem aí um questionamento: por que ter uma suposta irmã da Flora em vez de simplesmente colocar a atriz que faz a Terra para interpretar a Flora? A Eliot é bem-vinda ao elenco porque, de fato, os corpos magérrimos de Winx são problemáticos, mas… Por que simplesmente não engordaram a Flora?
Quero dizer, a produção não teve nenhum problema em embranquecer a Musa (que tem traços asiáticos no original), então por que não engordar uma personagem? Isso seria ofensivo, por acaso? E mais: a Flora é inspirada na Jennifer Lopez, uma mulher latina. Parece que Hollywood não consegue aceitar duas minorias em uma só pessoa ao mesmo tempo, e uma mulher gorda e latina seria demais para eles.
Quem me dera se essa fosse a minha única reclamação sobre tentativas falhas de representatividade em Winx… Mas tem mais logo abaixo.
Shadowhunters versão 2.0
Outra questão que gerou polêmica com Fate foram as comparações com O Mundo Sombrio de Sabrina (sabe, aquela série que a Netflix cancelou e deu um final lixo?). Dá para entender o paralelo porque ambas as séries tentam reimaginar os clichês do high school com elementos “arrepiantes” como satanismo ou mágica, só que Winx mira em Sabrina e termina acertando em Shadowhunters (e isso não é um elogio).
O roteiro pouco criativo e cafona não vinga, e olha que a premissa da série é até interessante (e reconheço que o final foi bem surpreendente). O problema é que, quando eu vejo Bloom e Sky, eu só enxergo Clary e Jace porque são dois casais sem química formados por ruivas sem sal e loiros topetudos. Winx tenta até demais se diferenciar do original: a gente tem cigarro, bebida, sexo, cadáver, enforcamento… Tudo isso só no primeiro episódio.
O começo da série tem um ritmo muito apressado que pode deixar umas pessoas sem ar ou perdidas no rolê. O problema dessa velocidade toda é que você termina não tendo o aprofundamento de umas questões importantes. Por exemplo, Bloom passava por conflitos sérios com a mãe no mundo humano, antes de vir para Alfea. Como isso é mostrado para a gente? Com voice-overs de narrações da Bloom e um flashback mal-colocado de uma briga em que a mãe dela reclama que a filha não sai de casa.
Pera, então o maior impasse entre elas se resume à mãe ser baladeira e não querer que Bloom seja uma rata de biblioteca? Oi? A explicação termina sendo superficial e, por isso, eu não tive nenhuma empatia pela Bloom do presente que sofria tanto.
Minorias jogadas para escanteio
Winx ainda tenta ser uma série atual com coisas como Instagram — sim, as fadas usam o Instagram na escola, acredita? — e menções a mansplaining e gordofobia logo no primeiro episódio. Só que é tudo em vão, porque soa artificial demais, como se um bando de tiozão tivesse entrado no Twitter e catado uns assuntos dos jovens de hoje em dia só para parecer descolado. O próprio roteiro se trai nesse compromisso de ser responsável: tem uma sequência (supostamente) de comédia em que Terra busca um canto no dormitório para trocar de roupa sem mostrar seu corpo.
A graça é você assistir à odisseia de Terra pelos quartos, só que não é engraçado. Você sentir vergonha do seu corpo não é motivo de piada — e o pior de tudo é que Winx se vende em alguns momentos com um discurso responsável de gordofobia, mas não é. A série tem várias cenas em que Terra se sente mal pelos comentários indiscretos que recebe (detalhe: alguns deles são feitos pelas próprias meninas principais) e depois, do nada, essa questão é apagada do roteiro.
O que me deixou mais puta foi que, quando Terra vira amiga das meninas, ela nunca mais menciona os comentários gordofóbicos que elas fizeram e nem tenta expressar a sua dor. Essa falta de resolução deixou um gosto amargo na minha boca porque até parece que basta você ser amigo de uma minoria para parar de ser preconceituoso.
Coincidência ou não, Terra e Aisha são as únicas garotas do núcleo principal que fogem do padrão magro e/ou branco e terminam com histórias simplesmente péssimas. Aisha é uma personagem sem agência; o roteiro ensaia uma trama para ela quando a mostra com problemas para controlar os poderes, mas tudo vai água abaixo quando ela vira apenas um apoio para Bloom no enredo. Aisha passa, então, a ser um mero personagem consultado pelos outros para pedir ajuda ou conselhos, sem ter uma história própria.
Enquanto isso, a trama de Terra é basicamente: menina se apaixona por garoto gay que era bonzinho mas vira mau e fica decepcionada. Desde o início, Terra foi completamente pautada na história por sua paixonite pelo Dane, e eu odiei isso. Nada contra relacionamentos românticos — afinal de contas, Musa tem um desenvolvimento amoroso adorável com o irmão de Terra —, mas por que justamente a Terra se apaixona pelo gay? Fala sério, gente, tinha tanto personagem para passar por esse perrengue...
Se você acha que todas essas minhas reclamações são bobeiras, pare para pensar nas críticas de John Boyega (o Finn de Star Wars, sabe, o stormtrooper preto e primeiro protagonista não-branco da franquia?) com o fim da última trilogia: “O que eu digo para a Disney é que não se cria um personagem negro e o vende como alguém importante na franquia apenas para depois jogá-lo de lado. Não é certo, vou falar a real”. Dos personagens novos, apenas Rey (Daisy Riley) e Kylo Ren (Adam Driver) — ambos brancos — tiveram desenvolvimento na trama. Os demais personagens (vale mencionar: um preto, uma asiática e um latino) foram deixados de lado.
São coincidências demais para nós ignorarmos.
Só vejo Winx de novo se me pagarem
Eu já vi a minha cota de série high school ruim, então Winx não é para mim. Foi impossível não comparar Fate com a animação e, por si só, a série não se mantém porque os personagens terminaram desinteressantes por causa de um roteiro apressado que não os permitiu um desenvolvimento humano. A Netflix deve ter dado esse “upgrade adolescente” em Winx numa tentativa de atrair os fãs mais velhos do desenho, só que o tiro saiu pela culatra porque quem disse que eu, no auge dos meus 23 anos, não quero ver fadas coloridas com asinhas?
A Netflix errou ao criar algo novo, em vez de usar a nostalgia como arma para ganhar dinheiro em cima de produções copia-e-cola — e olha que ela só precisava prestar atenção na onda de remakes da Disney para sacar o mercado! Talvez a série interesse a quem deseja uma distração para o dia, mas o X da questão é que Winx não se vende assim: ela se leva a sério demais, então resta a você revirar os olhos para os clichês do roteiro. Se pelo menos a série aceitasse seu exagero e caricaturismo, seria mais fácil curtir o quão boba é a história — e aí eu poderia assistir a Winx sem pensar muito… Como eu fazia com o desenho quando era criança.
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