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Ainda há poesia em exercer a cidadania?

"Lembro bem como foi a primeira vez que votei. A sensação de sair na rua em direção a um ato que poderia mudar o futuro era incrível. O sol quente da zona oeste do Rio de Janeiro me fazia me manter eufórica. O vento, mesmo sem grande força, chamava meus cabelos para uma dança lenta. Os meus olhos observavam o movimento das outras inúmeras pessoas que caminhavam em direção às suas zonas eleitorais para apertar o 'confirma' assim como eu."



Abri os olhos e lentamente foi despertando todo o meu corpo. Olhei no meu celular, e o relógio marcavam 9 horas da manhã. O dia era 15 de novembro e como você sabe era o dia em que se comemora a proclamação da república. Mas em 2020, a data também significava outra coisa: dia de votação eleitoral.


Desde criança eu sempre achei legal poder ir votar. Acompanhava minha mãe, minha madrinha e quem mais quisesse me levar. Na minha cabeça apertar um botão e ouvir aquele barulhinho sair da urna eletrônica tinha poder de mudar o mundo. E de fato tinha mesmo, mas eu ainda não entendia a dimensão daquele ato.


Lembro bem como foi a primeira vez que votei. A sensação de sair na rua em direção a um ato que poderia mudar o futuro era incrível. O sol quente da zona oeste do Rio de Janeiro me fazia me manter eufórica. O vento mesmo sem grande força, chamava meus cabelos para uma dança lenta. Os meus olhos observavam o movimento das outras inúmeras pessoas que caminhavam em direção ás suas zonas eleitorais para apertar o “confirma” assim como eu. E no dia 15 de novembro de 2020 foi exatamente igual.


“Será que fiz a escolha certa?” essa é pergunta que passeia sobre minha mente no caminho de volta pra casa. Como mulher periférica preciso admitir que muitas vezes senti medo que essa pergunta tivesse uma resposta negativa. Isso porque a poesia aqui na Zona Oeste nem sempre tem um compasso bonito. No caminho de volta pra casa meu olhar fita outras coisas... Os santinhos no chão formando grandiosos tapetes de candidatos eleitorais. As ruas esburacadas e sem nenhuma sinalização para nos orientar. As escolas que usamos para votar sem estruturas por estarem sendo sucateadas. E quando olhamos bem percebemos que algumas coisas nem sequer existem como áreas de lazer e cultura para nos inspirar e encher nossa vida de conhecimento. E nessas horas me pergunto: “Os candidatos sabem que não fizeram a escolha certa quando excluem as zonas periféricas de suas pautas?”


Às 22h44 o resultado das eleições de 2020 saiu. A televisão anunciou: teremos um segundo turno, o que significa que só neste ano terei a mesma sensação de mudar o mundo duas vezes. Em 1932 as mulheres sentiram essa sensação pela primeira vez quando conquistaram o direito de voto no Brasil. E eu sei, é difícil acreditar que ainda podemos fazer algum barulho depois de mais de 50 tentativas. Mas mesmo sendo difícil creer que algo possa de fato mudar, eu ainda acredito. E respondendo a pergunta que dá título a esta crônica, eu digo que sim. Ainda há na poesia em exercer a cidadania.


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Textos não jornalísticos, para falar de manias, da vida, de amores... E todas as outras coisas o coração.

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