top of page

26 anos de Friends: 3 momentos em que a série acertou (e errou)

"Your job's a joke, you're broke, your love life is D.O.A", quem diria que iríamos nos identificar dessa forma com a música de abertura da série "Friends" (1994 - 2004) tanto tempo depois? E é aquilo, há quem ame e quem odeie, mas é inegável que a produção de Marta Kauffman, David Crane e Kevin Bright fez história na televisão.


Hoje (22) faz 26 anos que a série foi ao ar, pela primeira vez, na NBC. Desde então, o trabalho da Warner conquistou milhares de fãs, muito dinheiro e ainda um reboot marcado para 2020, que está em fase de preparação, mas, como tantos outros planos, foi adiado pela pandemia do coronavírus.


Sem dúvida, por se tratar de uma produção de décadas passadas, tem muito material problemático em Friends, como vamos citar aqui. Existem aqueles que defendem a série, dizendo que, na época, não havia uma discussão tão grande sobre representatividade na televisão e os malefícios do machismo, racismo e da LGBTQIA+fobia. Porém, sem dúvidas, tem aqueles que acham que isso é só passar pano para uma série que, por muitos anos, foi querida e assistida por milhões. Assim, o amor pela história não poderia te tornar acrítico sobre ela.


Como uma eterna e grande fã de Friends, fico no meio do caminho. É claro que hoje não consigo encarar todas as piadas da mesma forma. Tem muita coisa realmente problemática lá. E, apesar de concordar que, sim, os tempos eram outros, já foi mais do que constatado que os produtores tinham informação suficiente para trazer personagens e enredos mais diversos para a série. Mas, simplesmente, não o fizeram.


Por isso, como uma pessoa dividida (libriana, tá bom?), quero falar tanto do lado positivo, quanto do lado negativo da série - e, convenhamos, esse último vemos aos montes nas redes sociais. Então, vamos relembrar seis momentos importantes de Friends - três vezes em que a produção acertou, mas também, três vezes em que a história foi bem equivocada. Confira!


Acerto #1: salários iguais para todos!


As coisas em Hollywood não são lá muito justas. Se voltarmos 26 anos, consegue ser pior ainda. A história de que o elenco de Friends se juntou em busca de salários iguais para os seis protagonistas é conhecida. Porém, por muito tempo, achávamos que se tratava de uma disparidade salarial entre gêneros, mas não foi bem assim.


O que acontece é que, na primeira temporada, em 1994, todos ganhavam o mesmo salário, que, de acordo com fontes, superava a marca de U$ 22 mil por episódio. Porém, no ano seguinte, com o grande destaque que o casal Ross e Rachel vinha tendo entre os fãs, David Schwimmer e Jennifer Aniston, atores responsáveis pelos personagens, passaram a ganhar mais.


Isso não foi bem aceito pela dupla, que decidiu se manifestar, junto aos outros quatro protagonistas. A produção, porém, afirmou que não teria dinheiro para pagar a Courteney, Matthew, Matt e Lisa o mesmo que David e Jennifer - fazendo com que os dois últimos aceitassem receber menos, desde que o salário fosse igual. Se isso não fosse aceito, os atores ameaçaram fazer um boicote à série, dizendo que não retornariam às gravações.


"Nós estávamos fazendo o mesmo trabalho e merecíamos ser recompensados da mesma maneira. Eu não me sentiria bem indo trabalhar sabendo que alguém estava ganhando X e eu estava ganhando mais" - Jennifer Aniston, em 2019, durante entrevista de divulgação de sua série "The Morning Show"

Na volta para a terceira temporada, todos estavam ganhando cerca de U$ 75 mil por capítulo. E, como muitos já sabem, com o sucesso da série, os protagonistas chegaram a faturar U$ 1 milhão por episódio nas duas últimas temporadas.


Rachel, Monica e Phoebe = Goals de amizade | Foto: reprodução (Warner Bros.)

Acerto #2: mulheres em controle de sua vida sexual


Em Friends, Monica, Rachel e Phoebe vivem sua vida livremente. Pelo menos, mais livremente do que a maioria das mulheres vivia na década de 1990. Elas tinham vários encontros, transavam com quem queriam e tinham um diálogo aberto sobre sexo - vide cena em que Rachel e Monica disputam pela última camisinha da casa (usem camisinha!).


Mas, conseguir isso não foi exatamente fácil. Logo no primeiro episódio, vemos Monica sair com um rapaz do seu trabalho - "Paul, the wine guy" - e ele confidencia a ela que não tinha relações com outra mulher desde que sua esposa o deixou. Monica, então, o ajuda a superar o trauma, transando com o rapaz, acreditando, então, que o teria "curado". Mas claro que toda a história era apenas uma mentira para conseguir dormir com mais mulheres.


Porém, um produtor da NBC não curtiu muito. Não pelo cara que contava mentiras para conseguir sexo, mas pelo fato de que Monica transava com ele no primeiro encontro. Até hoje, Marta Kauffman não revela quem era o mandachuva que tentou barrar a narrativa - mas, pela linha do tempo, tudo indica que era um tal de Warren Littlefield (que foi um dos produtores de "The Handmaid's Tale", rs).


Como os criadores conseguiram reverter isso? Bom, todos sabem que Friends era gravado ao vivo, com uma plateia (sim, em grande parte, as risadas são verdadeiras, caso você não soubesse). Então, tiveram uma ideia de rodar uma pesquisa de opinião sobre o caso de Monica entre os telespectadores. Basicamente, perguntando, com palavras mais sutis, "você acha que Monica é uma vadia por dar no primeiro encontro?". A resposta foi satisfatória e boa o bastante para calar a voz da NBC. Ninguém ligou muito para isso e, ainda, foram solidários com a personagem por ter caído na mentira de um cara escroto. Por isso, a história seguiu como planejado.


Rachel, Monica e Phoebe têm sua própria história de maternidade | Foto: Reprodução (Warner Bros.)

Acerto #3: diferentes formas de maternidade


Mais um acerto em torno das personagens mulheres, provando que a série se preocupou em desmistificar algumas noções machistas da época, deixando o racismo e LGBTQIA+fobia correrem soltos, infelizmente.


Durante 10 anos, acompanhamos a vida dos seis. Por isso, vemos diversas fases de cada um. Relacionamentos, emprego, desemprego, crises financeiras, sucessos pessoais... E, claro, a questão da maternidade acabou entrando nesse meio - já que as personagens mulheres deixaram claro seu desejo de ser mãe, em algum ponto do enredo.


E as três, de fato, foram, mas de maneiras extremamente específicas. Phoebe, que na verdade não foi mãe, mas gerou três crianças, aceitou ser barriga de aluguel para seu meio-irmão Frank, já que ele e a esposa Alice não estavam conseguindo engravidar. Acompanhar a personagem se apegar aos fetos, mas depois entregá-los aos verdadeiros pais é de partir o coração, mas não deixa de ser uma narrativa extremamente interessante.


Rachel é mãe de Emma, filha gerada após uma noite de sexo descompromissado com Ross. Tudo nessa história é bem legal. O casal afirma que usou camisinha (salientando assim, que o método não é 100% eficaz) e decidem criar a filha juntos, porém, sem serem um casal. Rachel assume a maior parte da criação de Emma (surpresa, né?) e se saí super bem em seu papel de mãe solteira.


Por fim, Monica, a mais animada para ser mãe. A personagem sonhava com esse momento e quando, finalmente, começou a tentar engravidar junto de seu marido Chandler, eles descobriram que ambos tinham problema de fertilidade. A história fica ainda mais emocionante quando descobrimos que Courteney, atriz por trás de Monica, estava, na mesma época, passando pela mesma dificuldade de engravidar - mas, na temporada final, já vemos a artista escondendo a barriguinha quando estava esperando sua única filha, Coco.


Voltando à história. Depois de constatarem que não conseguiriam ter filhos por conta própria e que Monica não queria optar por gerar um filho com esperma de um doador, eles decidem pela adoção. Além de trazer uma temática super importante para a televisão, a série conseguiu mostrar, ao longo de uma década, diversas formas que a maternidade pode se dar - e nenhuma obedece à lógica clássica.


E agora... os erros!

"O pai" de Chandler é uma representação infiel da transsexualidade | Foto: Reprodução (Warner Bros.)

Erro #1: representação trans deturpada


Todos sabem que a série não foi lá muito amigável com a população LGBTQIA+. Além das constantes insinuações negativas de que Chandler seria gay, o casal Susan e Carol (ex esposa de Ross) é extremamente mal representado, com direito a muitos estereótipos e sexualização.


Porém, um dos maiores problemas, sem dúvida, era o pai de Chandler. O homem se descobriu uma mulher trans, quando o garoto ainda era criança e tocava um show de Drag Queen em Las Vegas. Só aí, nessa premissa, já temos uma confusão entre uma mulher trans e uma drag queen.


Outra questão é que a personagem era feita por uma mulher cis, Kathleen Turner. A atriz tinha a voz um pouco mais grossa e era mais alta, o que, para os produtores, era ideal para a representação da personagem trans.


Muitas pessoas batem na tecla de que, apesar de ser mal representada, a comunidade LGBTQIA+ estava sendo retratada em uma famosa série de TV, o que já era um grande avanço e diferencial. Tem um ponto, porém, é importante destacar como essa representação poderia ser melhor.


Até mesmo Turner, em 2019, disse que, sim, o papel foi "revolucionário", mas que não o aceitaria se o oferecessem agora. "Existem pessoas reais que podem fazer essa personagem", disse, se referindo ao fato de ser cis, representando uma mulher trans.


"Monica Gorda" fez algumas aparições na série, como na 6ª temporada | Foto: Reprodução (Warner Bros.)

Erro #2: gordofobia, gordofobia, gordofbia


Ah, já falei gordofobia? Quem acompanha a série conhece bem a história da "Fat Monica", ou seja, "Monica Gorda". Basicamente, a personagem, quando era criança e adolescente era bem acima do peso e lutava contra compulsão alimentar. Sofria bullying, foi mandada para um acampamento de emagrecimento pelos pais e, claro, muitas piadas sempre foram feitas sobre isso. Isso é tão marcante na série, que até virou tema de um dos nossos "Vamos Polemizar?".



O fato é que, além das constantes zoações ao peso de Monica, existem duas coisas ainda mais graves. Primeiro, durante dois episódios especiais da 6ª temporada, "The One That Could Have Been" parte 1 e 2, vemos os personagens em cenários hipotéticos. Por exemplo, o que aconteceria se Rachel não tivesse se divorciado, se Chandler tivesse tido coragem para se demitir do trabalho que odeia... E se Monica ainda fosse gorda.


E, bom, só para começar, vemos uma mulher de 30 anos que nunca transou, reforçando completamente a noção de que uma mulher gorda não é uma pessoa sexual ou atraente. E sem contar nas piadas sem graças, do tipo, "ah, ela vai roubar meu chocolate".


Por fim, já na narrativa que realmente foi tocada na série, há o momento em que Monica consegue perder peso, atingindo não só um corpo padrão, mas extremamente magro. O motivo dessa reviravolta? Ela ouvira Chandler chamando ela de gorda para seu irmão, Ross. Veja bem, não há nada de errado em querer emagrecer, principalmente se isso for por saúde (ela até afirma "meu coração não está mais com problemas", depois da perda dos quilos). Mas fazer tudo isso para se vingar de um homem que, na época, ela nem conhecia tanto assim? Por favor, né.


Kristen e Charlie talvez sejam as únicas personagens pretas nos dez anos de série | Foto: Reprodução (Warner Bros.)

Erro #3: não existem pretos em NY?


A presença quase exclusiva de personagens brancos também é outra coisa que chama atenção. Além dos seis principais serem brancos, tiveram poucos convidados pretos e, até mesmo, poucos figurantes não-brancos, se vocês repararem. Isso porque a série se passa em Nova York que, em 2010, era a cidade estadunidense com maior número de pessoas pretas e que, em 2005 - um ano após o final da série - tinha a maior população de imigrantes pretos. Ou seja...


Além disso, as poucas personagens pretas marcantes foram um pouco polêmicas. Primeiro, Kristen (Gabrielle Union) é uma mulher recém chegada ao bairro, que está simultaneamente saindo com Ross e Joey. Apesar de deixar claro para eles que não está atrás de exclusividade, há uma grande confusão quando eles descobrem que o amigo era o "outro" de Kristen - deixando claro que ela não sabia que ambos se conheciam. Depois de um episódio, nunca mais a vemos.


A outra é Charlie Wheeler (Aisha Tyler) que, curiosamente, também se envolve em um triângulo amoroso com Joey e Ross na 9ª temporada. A personagem é uma mulher brilhante, que só namorou, no passado, homens geniais - ganhadores de bolsas e de prêmios Nobel. O problema é que, enquanto estava com Ross, ela decide largá-lo para voltar com seu ex. Então, a única personagem preta que teve direito a mais de um episódio - totalizando nove capítulos - teve um final complicado.


E tem como ficar pior. Em entrevista para o Insider, no começo do ano, David Schwimmer disse que, na época, estava muito ciente da falta de representatividade em Friends e que, inclusive, por anos, fez uma campanha para Ross ter uma namorada preta. E, se pesarmos, Ross se envolve com duas mulheres pretas e uma asiática, a Julie, na 2ª temporada. Por incrível que pareça, isso já significa muita coisa. Mas significa também que os produtores sabiam bem como estavam errando, já que os próprios atores falavam... Mas não fizeram nada!



E aí? Você é um daqueles que detesta Friends ou, como eu, não consegue parar de assistir os episódios - uma mão no controle e uma na consciência?


____

Listas semanais com dicas selecionadas sobre filmes, séries, músicas, livros e peças teatrais. É nessa categoria que você descobre sugestões do que assistir nas plataformas de streaming ou o que fazer em um dia atoa em casa.

bottom of page